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Artigo: O exercício do diálogo virtuoso

A agressividade predomina nos discursos políticos e em muitos ambientes do cotidiano. Programas de televisão que mostram a violência, ganham grandes audiências, provocando insegurança e medo de sair de casa

ISAAC ROITMAN*  

Vivemos um momento estranho, em que o fanatismo é uma grande barreira para o entendimento entre seres humanos. A agressividade predomina nos discursos políticos e em muitos ambientes do cotidiano. Programas de televisão que mostram a violência, ganham grandes audiências, provocando insegurança e medo de sair de casa. A violência é uma doença social que se espalha rapidamente.

Na construção de uma sociedade justa, fraterna e humana, necessitamos acima de tudo, de diálogo. O diálogo saudável não pode oferecer espaço para o ódio, vinganças, oportunismo e mentiras. O diálogo civilizado qualifica a capacidade humana de se dirigir ao próximo, respeitando as diversidades das ideias e pensamentos. Martin Buber considera três tipos de diálogos: o autêntico, o técnico e o monólogo disfarçado de diálogo.  

O primeiro tipo, o diálogo autêntico, confunde-se com a relação "eu e tu" e pode realizar-se de forma falada ou silenciosa, em que há a reciprocidade, a presença e aceitação no momento do encontro. Nesse momento presente, cada um dos participantes tem de fato em mente o outro ou os outros na sua presença e no seu modo de ser e a eles se volta com a intenção de estabelecer entre eles e si próprio uma reciprocidade viva. 

O segundo tipo, o diálogo técnico, tem a função de comunicar algo, de ensinar ou aprender algo, influenciar e convencer alguém de algo, entrar em contato com alguém. Os atores sociais estão envolvidos em cumprir tarefas — o professor de ensinar certo conteúdo, o aluno de aprender, o garçom de servir,  o comerciante de vender um produto, o cliente de comprar — específicas em função de seus papéis sociais assumidos durante o relacionamento. O terceiro tipo, o monólogo disfarçado de diálogo, acontece quando expressa o desinteresse, a banalização e a desconsideração do outro.

Uma iniciativa recente, decorrente de uma parceria da União Planetária com a Universidade de Brasília, por meio do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Ceam), abre um espaço importante para o exercício de um diálogo virtuoso no Distrito Federal. Essa parceria lançou o projeto Tribuna Livre pela Paz. Ele foi inspirado na "Speakers Corner" (esquina dos palestrantes). O mais antigo, iniciado em 1886, é o do "Hyde Park", em Londres. Nesse espaço, que existe até hoje, os oradores podem falar e debater qualquer assunto baseado no direito da liberdade de expressão. Quando os ânimos se exaltam, a polícia interfere. Vários pensadores, como Karl Marx e George Orwell, participavam desses eventos que se realizavam aos domingos. Os princípios da iniciativa inglesa são também os pilares do projeto Tribuna Livre para a Paz onde qualquer pessoa possa falar sobre qualquer assunto e ser questionada pelos participantes, dentro de um comportamento ético e civilizado.

Os eventos do projeto serão realizados semanalmente — nas segundas-feiras — às 17hs no Memorial Darcy Ribeiro (Beijodromo) da Universidade de Brasília (campus da Asa Norte). Os participantes dos debates não se limitaram à comunidade universitária, pois o evento estará aberto à toda sociedade brasileira. Todos serão bem-vindos e terão a oportunidade de introduzir temas de interesse da sociedade. O projeto terá uma dimensão educativa, pois proporcionará o exercício de um diálogo virtuoso em um ambiente onde o respeito à diversidade de ideias prevalecerá.

Na sessão inaugural do projeto, um dos temas discutidos foi a grande dificuldade dos trabalhadores do Distrito Federal de chegarem bem cedo ao trabalho e as dificuldades de retornarem às suas casas, devido à precariedade dos transportes públicos, principalmente os ônibus atrasados e lotados nas horas de pico. Essa realidade existe a décadas, sem soluções adequadas em sucessivos governos.

O Tribuna Livre pela Paz será um espaço de diálogo aberto e inclusivo, para a expressão de ideias construtivas sobre assuntos de interesse da sociedade. Essa iniciativa poderá ser expandida para todo o Brasil e certamente contribuirá para a conquista da paz interior de cada ser humano e para a paz social onde possamos mitigar e eliminar a vergonhosa desigualdade social do Brasil. É pertinente lembrar o pensamento de Albert Einstein: "A paz não pode ser mantida à força. Somente pode ser atingida pelo entendimento".

*Professor emérito da Universidade de Brasília, pesquisador emérito do CNPq, membro da Academia Brasileira de Ciência 

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