GUSTAVO NADER MARTA*
Aproximadamente 75% da população brasileira é totalmente dependente da assistência do Sistema Único de Saúde (SUS). Quando falamos especificamente sobre tratamento dos pacientes diagnosticados com câncer, a radioterapia é um dos pilares fundamentais, junto com cirurgia e tratamento sistêmico medicamentoso, sendo crucial para ao menos sete em cada 10 pacientes oncológicos. Vale ressaltar que, em 85% das vezes que a radioterapia é empregada, a intenção é curativa. Os outros 15% têm finalidade paliativa, para alívio dos sintomas e melhor qualidade de vida dos pacientes.
A possibilidade de cura e o alívio do sofrimento, tanto dos pacientes quanto de seus familiares, estão intrinsecamente ligados ao acesso adequado a ese tratamento. Entretanto, a falta de radioterapia pode resultar na perda de oportunidade de cura, acarretando sofrimento desnecessário e custos financeiros elevados, devido à necessidade de abordagens terapêuticas adicionais mais onerosas. Sem dúvida, esse é um contexto que impacta diretamente na perda de recursos do sobrecarregado sistema de saúde público.
Baseado nos dados de incidência do Instituto Nacional de Câncer (Inca) e nas respectivas indicações de radioterapia, a Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) estimou que 73 mil pacientes com câncer não têm acesso à radioterapia no SUS a cada ano. E, caso medidas importantes não sejam adotadas, esse deficit será crescente. A estimativa é de que, comparado aos números atuais, tenhamos no mundo um aumento dos casos de câncer, que também vai se refletir no Brasil, de 20,7% até 2030; assim como o aumento de 49,6% até 2040 e de 76,6% até 2050. Portanto, a crise na sustentabilidade da radioterapia no SUS é uma pauta de saúde pública que exige urgente discussão e ação. Este tratamento essencial é atualmente uma peça no tabuleiro da economia da saúde que enfrenta um xeque-mate diante de recursos insuficientes e custos crescentes.
Um estudo da SBRT, chamado RT2030, evidenciou que o valor reembolsado pelo SUS para cada paciente não é suficiente para cobrir nem a metade do custo do tratamento. A desvalorização da moeda nacional frente ao dólar agrava o cenário, pois os equipamentos de radioterapia, majoritariamente importados, e suas manutenções, também precificadas em dólar, representam uma pressão adicional aos já restritos orçamentos do setor. Além disso, para funcionar um serviço de radioterapia com um equipamento são necessários cerca de 20-30 funcionários. Existe uma inflação no setor associada ao quadro de pessoal. O setor encontra-se sem nenhum tipo de reajuste desde o ano de 2010. Não é necessário muito raciocínio para compreender que se vive em um cenário de total insustentabilidade.
O Plano de Expansão da Radioterapia no SUS (PER/SUS) tem como principal objetivo ampliar e criar novos serviços de radioterapia em hospitais habilitados no SUS. No entanto, apesar de bem-intencionado, o PER/SUS não é capaz de sanar a principal dificuldade do setor atualmente. Isso se deve à falta de sustentabilidade econômica vigente no que se refere ao financiamento para sua manutenção e prestação do serviço: mais uma vez, o valor de reembolso vigente no SUS cobre menos do que a metade do custo operacional. Após 10 anos, o projeto PER-SUS entregou cerca de 50% das soluções planejadas. Comparativamente, nesse período foi observado um crescimento de 17% no número de aceleradores lineares (Linacs) com o PER-SUS, contra um aumento de 32% na incidência de câncer no Brasil.
Diante desse panorama, é fundamental que o Ministério da Saúde reavalie seu modelo de financiamento para a radioterapia no SUS. Investimentos adequados não são apenas uma questão econômica, mas um imperativo ético e legal para assegurar o direito à saúde, premissa garantida pela Constituição Federal. Como observadores e participantes nesse contexto, somos convocados a refletir e demandar mudanças estruturais que garantam que a radioterapia não seja um privilégio, mas, sim, um direito acessível a todos.
*Radio-oncologista, professor e presidente da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT)