CÁSSIO CARDOSO CARVALHO*
A transição energética tem sido pauta central no Brasil no primeiro ano do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, algo a se comemorar, visto o hiato em que vivemos entre 2016 e 2022, com a regressão energética e o negacionmo climático e ambiental propagados pelas administrações Temer e Bolsonaro. No entanto, com os recentes acontecimentos de impacto socioambiental, a descarbonização da matriz energética do país é um problema que passou da hora de ser discutido.
A narrativa brasileira é, por vezes, dúbia devido à aposta na expansão da exploração de combustíveis fósseis — atualmente o Brasil se configura como o nono maior produtor global de petróleo, tendo como planejamento governamental, ainda nesta década, ocupar a quarta posição. Essa expressiva expansão só é possível graças ao aporte de volumosos incentivos fiscais por parte da União.
Considerar a transição energética para além da diversificação ou substituição de fontes nas matrizes é o desafio posto para que possamos configurá-la como justa socioambientalmente. Assim, é essencial levar em consideração fatores como: i) os impactos sociais e ambientais causados ao longo da cadeia de produção, antes das fontes iniciarem seu processo de geração; ii) a formação profissional e a geração de empregos; e, iii) o desenvolvimento econômico e social das comunidades onde os empreendimentos de geração de energia são alocados, respeitando seus direitos e culturas.
Uma maneira de assegurar a transição é por meio da geração distribuída (GD) de eletricidade, isto é, quando a geração ocorre próxima ao local de consumo. Com a implementação de medidas adequadas para garantir a resiliência do sistema elétrico, seria possível: aumentar a potência instalada do parque gerador do país garantindo maior segurança energética; reduzir a pobreza energética; condicionar a sensação de pertencimento das comunidades que passam a se constituir em consumidor-gerador; maior adaptação das populações impactadas por ocorrências climáticas, sobretudo agricultores familiares, podendo angariar segurança hídrica e alimentar para estas famílias.
A GD vem tendo um crescimento expressivo no Brasil na última década, mas isso não significa que toda a sociedade esteja tendo acesso a esse formato de energia renovável. Por exemplo, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), as instalações de GD atingem somente 8% dos consumidores rurais. Dados como esse reforçam a necessidade de políticas públicas e de prioridades orçamentárias para que a geração distribuída possa alcançar amplas parcelas a da sociedade, no entanto, não é algo que vem ocorrendo, não da forma e urgência necessária.
Isso fica evidente na análise que o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) realizou, revelando que, entre 2022 e 2023, não houve no orçamento do governo federal programas ou ações destinados exclusivamente para a expansão da geração distribuída em uma perspectiva social, portanto é difícil dimensionar o esforço do Executivo nessa direção. Note-se, contudo, que o somatório das verbas executadas pelos ministérios de Minas e Energia, Ciência, Tecnologia e Inovação e Agricultura, únicas pastas que continham ações orçamentárias que poderiam destinar-se à GD, aumentaram em 124%, passando de R$ 564,33 mil para R$ 1,26 milhão, entre 2022 e 2023. Mas, um gasto de cerca de um milhão de reais está muito aquém do necessário para suprir as necessidades energéticas dos grupos populacionais empobrecidos.
Para 2024, a Lei Orçamentária revela que somente o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) conta com recursos previstos que poderão ser utilizados para a geração distribuída: são R$ 2,74 milhões, valor superior ao somatório autorizado em 2023 para os ministérios de Minas e Energia, Ciência e Tecnologia e Agricultura que, em 2024, não receberam qualquer dotação de recursos. No entanto, esse valor é considerado muito abaixo do necessário para que a pobreza energética seja superada no país com a contribuição da geração distribuída social.
Instamos, pois, o governo federal a elaborar um plano de geração distribuída social, para que possa atender a população que não tenha acesso a esse tipo de geração de energia, para os próximos anos de modo a eliminar a pobreza energética e pavimentar o caminho para uma transição inclusiva e sustentável.
*Assessor político do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)