Artigo

A força da resiliência

O massacre ocorreu 109 anos atrás. Todos os anos o povo de Yerevan se reúne para repudiar o horror, mas também para homenagear seus mortos

Imagine um povo perseguido e massacrado; submetido a um genocídio ao qual parte do mundo faz vistas grossas; dono de uma cultura e de um idioma espoliados por vizinhos; forçado a ceder até mesmo o seu símbolo nacional, o Monte Ararat. Qualquer outro povo iria se vitimar, fazer questão de apagar o passado. Não os armênios. Estive em Yerevan, capital da Armênia, durante o feriado nacional de 24 de abril, dia de relembrar mais de 1,5 milhão de vítimas do genocidio armênio. O massacre ocorreu 109 anos atrás. Todos os anos o povo de Yerevan se reúne para repudiar o horror, mas também para homenagear seus mortos. Mais do que uma celebração de luto, os armênios veem o 24 de abril como símbolo de resistência.

Crianças, idosos, famílias e jovens casais afluíram até o Memorial do Genocídio Armênio para depositar flores, honrar o trágico passado e gritar para que o mundo impeça novos genocídios. A mesma força da resiliência vi em Kornidzor, bem perto de Nagorno-Karabakh. O vilarejo de 800 habitantes abriga alguns refugiados do enclave que foram forçados a fugir às pressas, muitos deles apenas com a roupa do corpo, enquanto as tropas do Azerbaijo atacavam. Gente que não sabe se um dia voltará para casa. Mesmo assim, me recebeu com um sorriso no rosto, com pratos típicos armênios e com um café delicioso. Gente que me deu uma lição de vida: a de que a esperança deve ser tão firme quanto a rocha. Em Kornidzor, Susana Hovsepyan, 61 anos, falou sobre o motivo pelo qual não viajou para mais longe da fronteira com Nagorno-Karabakh, rumo ao interior da Armênia. "Esse vilarejo tem o mesmo ar de nossa casa", disse.

O povo armênio merece viver em paz. Para isso, é preciso que o mundo reconheça a existência do genocídio, inclusive o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O bom senso e questões morais e de respeito ao direito internacional deveriam vir antes de interesses comerciais ou das relações diplomáticas. A história dos armênios é marcada por tragédias. A mais terrível delas foi o genocídio. Além de 1,5 milhão de mortos, ele provocou uma diáspora para vários países e deixou milhões de órfãos. Impedir matanças e limpezas étnicas começa pelo reconhecimento do genocídio armênio de 1915 a 1923 e pela pressão da comunidade internacional para que os palestinos também parem de ser massacrados. Os civis — mulheres, crianças, idosos e homens desvinculados de qualquer relação com o Hamas ou com a Jihad Islâmica — não podem ser produtos da vingança pelo horror do 7 de outubro.

É inadmissível que o mundo não se posicione, de forma clara e incisiva, contra crimes de Estado praticados ao arrepio das leis. É inadmissível o silêncio ensurdecedor ante a morte em massa de civis indefesos. Os armênios e os palestinos têm algo em comum: foram vítimas de crimes contra a humanidade. Também são um exemplo de força da resiliência.

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