Alguns fatores podem explicar por que a educação brasileira não avança na velocidade desejável. Entre eles, podemos citar: as descontinuidades das políticas públicas, em particular nas transições de governo, como vai acontecer este ano; os investimentos ainda insuficientes, que, apesar de terem sido ampliados nos últimos 20 anos, requerem mais esforços para essa ampliação, desde que sejam usados adequadamente e não se percam pelo meio do caminho, como acontece muitas vezes — o valor por aluno/ano no Brasil é ainda baixo ao ser comparado com o dos países da OCDE; a necessidade de uma melhor formação docente, tanto a inicial, de responsabilidade direta das universidades, como a continuada — no Brasil, a formação é muito teórica e não dialoga com o chão de escola; a necessidade de formar diretores escolares enquanto lideranças transformacionais e pedagógicas, e acabar de vez com a sua indicação política; e, por fim, um dos mais relevantes fatores consiste na desigualdade socioeconômica e racial, que pode explicar de 40% a 50% da desigualdade no desempenho escolar nas redes públicas de ensino.
Com relação a esse último fator — dois na verdade: o socioeconômico e o racial —, ao fim do ensino fundamental, quando os alunos deveriam estar aptos para ingressar no ensino médio, o percentual de alunos com aprendizado adequado em língua portuguesa (LP) no Brasil, para o nível socioeconômico (NSE) mais alto, é de 55% (ainda distante dos 70% esperados), enquanto, para o nível mais baixo, esse percentual cai para 28%. Na questão racial, enquanto os brancos apresentam 46% de alunos com aprendizado adequado em LP, para os pretos, esse percentual cai para 27%.
Tais desigualdades também podem ser verificadas dentro de uma mesma rede de ensino, como, por exemplo, na complexa rede municipal de ensino da cidade de São Paulo — com um PIB per capita de
R$ 66.872,84 em 2021 —, onde o percentual de alunos com aprendizado adequado em LP é de 49% entre aqueles de mais alto NSE, enquanto, entre os de mais baixo NSE, esse percentual cai para 34%. Entre os brancos, o percentual é de 48%, enquanto, entre os pretos, cai para 32%.
Um detalhe importante: quando se comparam as diferenças de percentuais entre os alunos de maior e de menor NSE, como também entre brancos e pretos, elas são menores em São Paulo do que no Brasil, o que, em parte, pode ser explicado pelo maior PIB per capita — o do Brasil, em 2021, é de
R$ 42.247,52. Por exemplo, a diferença de percentuais de alunos com aprendizado adequado em LP entre os de maior e de menor NSE em São Paulo é de 15% (49%-34%), enquanto, no Brasil, essa diferença é de 27% (55%-28%). Quanto ao fator racial, a diferença em São Paulo é de 16% (48%-32%), enquanto a do Brasil é de 19% (48%-32%)
Nessas comparações, é preciso obviamente levar em conta as diferenças produzidas pelos demais fatores, incluindo a própria complexidade da rede e o tamanho populacional do território. A verdade é que se torna cada vez mais necessário que as redes de ensino conheçam os seus indicadores educacionais, façam uma leitura adequada e compreendam que medidas precisam ser tomadas para que, de fato, a educação pública possa avançar.
Foi acreditando nesse caminho que a Secretaria de Educação da Cidade de São Paulo, em parceria com a Cátedra Sérgio Henrique Ferreira e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), começou um importante trabalho para conhecer melhor os indicadores educacionais da sua complexa rede de ensino, que se divide em 13 Diretorias Regionais de Educação (DREs), usando técnicas estatísticas multivariadas. Os primeiros resultados já apontam para a importância das diferenças no nível socioeconômico dentro do território de 1.521 Km2 da cidade de São Paulo (duas vezes maior do que Cingapura), mas também mostram que, mesmo em regiões de NSE mais baixo, existem algumas poucas escolas com ótimo desempenho escolar, e o inverso é também verdadeiro — ou seja, escolas com baixo desempenho em regiões de alto NSE. Conhecer os fatores que contribuem para isso, sem dúvida, será um passo importante na tomada de decisões na redução das desigualdades educacionais na cidade de São Paulo.
Outro aspecto importante é que o governo municipal poderá dar uma resposta assertiva para a elaboração de planos de educação para cada uma das treze DREs, em conformidade com a meta 13 do Plano Municipal de Educação, olhando de forma sistêmica para toda a rede de ensino. Será um ganho extraordinário para a educação municipal de São Paulo.
MOZART NEVES RAMOS
Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP de Ribeirão Preto e professor emérito da UFPE