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Artigo: A marca valoriza o produto

Seja pública ou privada, a marca bem construída subordina e valoriza o próprio produto e precisa, portanto, ser administrada como bem maior da organização, seu centro de gravidade

Proposta polêmica está sob apreciação do Senado Federal -  (crédito: MAURO PIMENTEL / AFP)
Proposta polêmica está sob apreciação do Senado Federal - (crédito: MAURO PIMENTEL / AFP)

» Otávio Santana Do Rêgo Barros, General da reserva, foi chefe do Centro de Comunicação Social do Exército

Assisto a um canal sobre viagens, veiculado na TV por assinatura, que tem como foco apresentar hotéis, restaurantes, locais aprazíveis, no Brasil e no mundo. Na última semana, o programa Restaurantes inesquecíveis trouxe o Café Lamas, clássico ponto de encontro carioca, com mais de 150 anos de existência, que prega a modernidade, paradoxalmente, pela conservação de suas reminiscências. 

Durante a entrevista, o dono afirmou que a empresa defende como valores prioritários a serem perseguidos a manutenção das tradições e a simplicidade das ações. No entanto, também alertou que essa tradição necessita ser buscada no dia a dia, como forma de manter e até fortalecer a imagem da marca.

Aguçou o paladar do ouvinte ao citar como carro-chefe do cardápio o filé à milanesa à francesa, prato com batata palha, presunto, cebola e petit pois, servido em generosas porções. Contou ainda um pouco da biografia da casa. Ela foi criada em 1874, permanecendo em sua sede original até meados da década de 1970. Portanto, foi testemunha do Império à República da evolução do país.

Em 1974, a modernização da cidade do Rio de Janeiro, com a construção da linha do metrô passando no Largo do Machado, exigiu mudança do secular endereço. Por um tempo, seus donos tatearam à procura de instalações e encontraram novo espaço no bairro do Flamengo. Desde então, o Lamas mantém-se como referência gastronômica da Cidade Maravilhosa.

Hoje, com a inclusão massiva da tecnologia, a concorrência de outros restaurantes e o aumento dos deliveries, ele foi forçado a aceitar outras experiências, agregando lanchonete, bar e cafeteria. A visão de futuro dessa empresa poderia ser sintetizada em: o Café Lamas será reconhecido como um restaurante com atendimento cortês, ambiente agradável, cardápio variado, fartura nos pratos e preço justo, despertando ricos sabores nos clientes.

O programa me instigou a falar sobre gestão e comunicação integradas — depreciadas em muitas organizações no Brasil, sejam públicas ou privadas —, pois vi, na abordagem direta do proprietário, conexões com o tema que tanto aprecio. Os valores defendidos pelo estabelecimento são compatíveis com a realidade da empresa e se mostraram eficazes na sustentação da marca.

A liderança da organização e seus colaboradores acreditam verdadeiramente nos valores que professam. A reputação do restaurante é convalidada pela clientela, atriz importante na divulgação da qualidade do serviço. Os proprietários compreenderam que a empresa e a sociedade estão sofrendo contínuas transformações, o que exige flexibilidade na gestão para minimizar os impactos dos novos cenários enquanto maximiza as oportunidades.

Mesmo com o título de patrimônio cultural do Rio de Janeiro, que eleva o status de sua marca, eles não dormem sobre os louros da vitória conquistada. Trabalham diuturnamente para se adequar em um ambiente informacional horizontalizado e democrático, no qual, muitas vezes, inexistem intermediários entre restaurante e cliente.

A marca Café Lamas, construída ao longo de anos, pode ser inspiradora para outras organizações e revela que não precisa ser grande empresa ou instituição do poderoso Estado para lidar adequadamente com a gestão e com a comunicação de um negócio. 

Se a empresa é um órgão de governo, por exemplo, ao oferecer bons produtos nas áreas da saúde, educação, segurança, defesa, transporte etc., o beneficiado, além da população, será o próprio governo pelo enobrecimento de sua marca. Se a empresa é um restaurante, como o exemplo trazido, variedade de pratos, saborosos, fartos e a preço justos trarão como favorecido, além do cliente, a própria empresa pelo fortalecimento de sua marca.

Você entra em uma loja da Apple para comprar um Iphone de última geração pelas inovações que o novo lançamento traz ou por que, de antemão, confia nos produtos da marca? A marca bem construída subordina e valoriza o próprio produto e precisa, portanto, ser administrada como bem maior da organização, seu centro de gravidade. 

Se a credibilidade for depreciada por má gestão, aos poucos, a empresa perderá mercado. Tratar bem a marca, seja pública ou privada, é a grande lição a ser absorvida da romântica história do Café Lamas.

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postado em 28/05/2024 06:00
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