» Jorge Carlos Machado Curi, Cirurgião geral e intensivista, integrante das câmaras técnicas de Cirurgia Geral e de Segurança do Paciente no Conselho Federal de Medicina
Assim como o acidente que matou Ayrton Senna não causaria mais a morte de motoristas de Fórmula 1 se sofressem algo similar hoje por conta da evolução da segurança no automobilismo, o número de iniciativas e tecnologias que proporcionam maior segurança no trânsito cotidiano cresceu nas últimas décadas. Pode-se observar esse fenômeno desde que virou obrigação, por lei, usar cinto de segurança em carros e capacetes nas motos e, mais recentemente, quando os airbags e freios ABS também se tornaram obrigatórios nos veículos brasileiros. A criação da Faixa Azul também ajudou a reduzir o número de mortes de motociclistas em vias movimentadas.
No entanto, apesar das campanhas de conscientização, como Maio Amarelo, e dos avanços dessas tecnologias desenvolvidas para minimizar traumas — como é chamada a lesão causada por um evento inesperado externo ao corpo —, muitos não as utilizam. Segundo dados de 2023 da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), uma média de 275 motoristas são multados por hora, nas rodovias do país, por não usarem o cinto de segurança. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde de 2019, apenas 60,7% dos motociclistas que moram em áreas rurais usam capacete. Poucas pessoas usam roupas de proteção, além do capacete, ao andar de moto, mesmo sabendo que elas oferecem maior segurança em caso de acidentes.
O Brasil ainda é o terceiro país que mais registra mortes no trânsito, de acordo com relatório da Organização Mundial da Saúde, ficando atrás apenas de Índia e China, países com populações várias vezes maiores que a do nosso país. Quando se trata de motociclistas, os números são ainda mais graves. Em dezembro do ano passado, foram 55 mortes de motoqueiros e/ou garupas em São Paulo, quase dois por dia em apenas um mês, de acordo com o Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito (Infosiga). De cada 10 mortos, quatro faleceram na via em que se acidentaram, enquanto seis morreram em hospitais, mesmo depois de terem recebido socorro. Ao todo, só em São Paulo, foram registradas 426 mortes de motociclistas no ano passado.
A nível nacional, a taxa de internação de motociclistas que sofreram acidentes de trânsito aumentou 55% em uma década, de 2011 a 2021, segundo boletim da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, do Ministério da Saúde. Da mesma forma, nos últimos 20 anos, a frota de motos registradas no Brasil cresceu mais de cinco vezes, chegando a um número de 32,3 milhões em setembro de 2023, de acordo com a Senatran.
Nesse cenário e em meio ao crescimento dos aplicativos de entrega, os acidentes com motoboys também são uma triste realidade atual. De acordo com o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, motociclistas e ciclistas de entregas rápidas estão entre as profissões mais perigosas do ponto de vista da incidência de acidentes de trabalho, com uma média de 362 casos para cada 10 mil empregos. Outra pesquisa feita por uma seguradora focada em profissionais autônomos revelou que motoboys ficaram, em média, 41 dias afastados de suas atividades em 2023 devido a acidentes sofridos durante a prestação do serviço.
Para mudar essa realidade, é necessária uma via de mão dupla: a conscientização e a ação. E essa ação passa por uma mudança de mentalidade de nossos motoristas, voltada à prevenção de acidentes. Para isso, precisamos de uma intensa e contínua educação no trânsito. Atitudes simples, como a utilização de cinto de segurança, limite de velocidade, atenção às placas de sinalização e advertência, são essenciais, além do básico: não beber ou utilizar qualquer tipo de droga antes de dirigir.
Por parte do governo, campanhas, fiscalização e punição de infrações devem ser constantes, a fim de inibir comportamentos perigosos por parte dos motoristas. Às empresas, estabelecimentos e aplicativos que se valem dos serviços de entregadores motoboys, caberia prestar assistência, melhorando as condições de trabalho dessa categoria.
Além disso, a assistência médica não pode falhar no atendimento das vítimas. Quando um acidente acontece e a pessoa sofre um trauma, é fundamental que os profissionais que farão o atendimento inicial do traumatizado — sejam os médicos, bombeiros, profissionais de resgate do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), entre outros — estejam preparados e tenham sido devidamente treinados para prestar a assistência adequada, seguindo protocolos aprovados mundialmente. Afinal, o sucesso do tratamento de qualquer tipo de trauma depende muito de como a pessoa é atendida desde o primeiro momento.
Em suma, o conceito fundamental — não apenas para o Maio Amarelo, mas para todos os meses do ano — é estarmos sempre aprimorando a educação para que possamos reduzir, ano a ano, o número de pessoas acidentadas no trânsito. É importante lembrar sempre que evitar acidentes de trânsito é evitar milhares de mortes e sequelas e, consequentemente, grande dor para os acometidos e suas famílias, além das severas consequências na saúde das vítimas e os impactos econômicos e sociais resultantes.
Na área da saúde, a redução do número de traumas facilmente evitáveis no trânsito liberaria os médicos para tratar de outras condições de saúde que as tecnologias e inovações médicas, infelizmente, ainda não conseguem evitar.
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