Sete por cento da população brasileira é incapaz de ler um bilhete simples, diz o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É um contingente de 11,4 milhões de pessoas, mais concentradas na faixa acima de 65 anos, embora esse seja, também, o grupo etário em que o analfabetismo mais caiu em relação a 2010. De forma geral, o Censo mostra uma redução da desigualdade no acesso à educação, com maior avanço na taxa de alfabetização entre os estados que registram o menor percentual de letrados.
Nos anos 1940, quando o IBGE começou a avaliar esse quesito, 56% de brasileiros não podiam diferenciar um A de um B. Naquela mesma época, entrava para a Universidade Federal de Pernambuco o recifense Paulo Freire, que, depois, deixou o direito para se dedicar à filosofia da linguagem. Mais tarde, o educador, que enxergava no analfabetismo um instrumento de controle social, escreveria: "Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão".
Com 93% de alfabetizados, o Brasil, porém, enfrenta outro tipo de analfabetismo: o midiático. Trata-se de pessoas que sabem ler e escrever, mas são incapazes de compreender, criticamente, a mensagem recebida. Absorvem, sem questionar, a informação que chega a elas: se alguém do grupo do WhatsApp publica um vídeo de um suposto avião de Israel levando ajuda ao Rio Grande do Sul, acreditarão e passarão adiante. Não adianta provar que é uma imagem antiga, da época da tragédia em Brumadinho (MG). "Se está no 'zap', pode confiar."
Valem-se desses analfabetos — muitos dos quais com ensino superior — os fabricantes de notícias falsas. Tal como se fazia na década de 1940, grupos com interesses político-partidários aproveitam-se da falta de letramento para jogar a população no obscurantismo intelectual.
É até aceitável pensar que os crédulos em disparates como a existência de um chip na vacina da covid para controle do cidadão são vítimas da própria ingenuidade. Bandidos, porém, e não tem outra palavra para nomeá-los, são os que aproveitam o analfabetismo midiático para formar uma nação de mentirosos — um exército de enganados e enganadores, que parecem consumir avidamente esse tipo de conteúdo, cabendo aos cientistas sociais estudarem o fenômeno.
O filósofo texano Douglas Kellner, que se dedica aos estudos da cultura da mídia, termo que cunhou ainda na era pré-internet, é um árduo defensor da alfabetização informacional nos bancos escolares. Na década de 1990, ele publicou uma obra fundamental sobre o tema, com uma abordagem atraente, voltada a qualquer leitor, mesmo fora dos círculos acadêmicos: a análise da mensagem de filmes populares na época, como Rambo e O Exorcista.
Em A Cultura da Mídia, Kellner argumenta que, enquanto Rambo é usado para fortalecer o discurso anticomunista (o personagem é veterano da Guerra do Vietnã, que os Estados Unidos perderam), o segundo é um instrumento de catarse de um dos maiores medos do norte-americano: o outro. Em uma época de aumento na imigração, muitos enxergavam (e continuam enxergando) o estrangeiro como uma ameaça, um intruso que, como o demônio, tentava se incorporar à cultura do país, precisando de uma figura respeitável (no caso, o padre), para exorcizá-lo.
Nesse sentido, o Brasil tem sido um verdadeiro filme de terror, com os aproveitadores do analfabetismo informacional criando demônios em massa. O letramento midiático é urgente para combatê-los e, como defende Kellner, é uma disciplina digna dos currículos escolares. Provavelmente, será mais difícil do que ensinar a juntar b com a. Mas a educação é uma esperança. Como disse Freire, "nenhum homem se liberta sozinho".
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