A relação entre política, ciência e bioética é verdadeiramente multifacetada e tem sido explorada sob diversas perspectivas. Por exemplo, foi identificado o fenômeno da coautoria política em periódicos de ciência médica, e estratégias para combater isso foram propostas.
Além disso, o impacto da política na saúde e na pesquisa médica tem sido objeto de interesse, com pesquisas explorando os efeitos da democracia na saúde e as implicações da epidemiologia política no bem-estar público. A pandemia de covid-19 enfatizou ainda mais a interseção entre política e ciência médica, com discussões sobre a politização e supressão da ciência no contexto das intervenções em saúde pública. Além disso, foi examinada a influência da liderança política na comunicação, enfatizando o papel de liderança inclusiva na moldagem das respostas de saúde.
A interligação entre política e ciência médica também foi observada no contexto da integridade científica, com discussões sobre o impacto da interferência política na transparência da divulgação científica e na expressão de fatos honestos. Um aspecto particular diz respeito a bioética e política. Nos últimos 10 anos, houve numerosos embates a propósito de um projeto de lei para regular a atividade de pesquisa clínica no Brasil, finalmente aprovado no Congresso Nacional (PL 6007/2023).
Essa atividade engloba os estudos feitos para desenvolver novos tratamentos e comprovar que podem receber registro sanitário para uso em larga escala. Esses estudos são feitos no mundo todo, e o Brasil, embora tenha grande potencial de contribuição, tem participação discreta e até declinante em razão de sua regulamentação complexa e, até certo ponto, única nos países civilizados.
É essa situação que o PL 6007/2023 tem o objetivo de consertar. Mas ele esbarrou numa estrutura política poderosa, montada dentro do Conselho Nacional de Saúde. Esse órgão, criado para supervisionar o SUS e sem ligação de origem com a ética ou com a pesquisa, regula hoje quais pesquisas podem ou não serem feitas no Brasil, quais novos tratamentos os brasileiros podem ter acesso ou não. O Conselho Nacional de Saúde, através da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), sempre foi contra a proposição de uma lei, desde a primeira proposta feita pela senadora Ana Amélia Lemos em 2014, afirmando ser desnecessária.
O projeto de lei, por sua vez, é um pleito antigo das entidades ligadas à pesquisa e, apesar de uma campanha intensa da Conep, o PL venceu em todas as comissões por que passou, foi emendado, modificado e, finalmente, aprovado por grande maioria na Câmara (305 votos de todos os partidos) e unanimemente no Senado Federal. É uma vitória dos pacientes com doenças graves que precisam ter acesso aos avanços da medicina e uma vitória da ciência médica brasileira que venceu aqueles que se aferram ao poder e, para isso, apregoam serem os únicos defensores da nossa população.
Em conclusão, a dualidade entre política e ciência médica engloba uma ampla gama de tópicos, incluindo autoria, intervenções em saúde pública, integridade científica, legislação em saúde e, agora, bioética na pesquisa. A relação intrincada entre política e ciência médica e as amplas implicações dessa dualidade na prestação de cuidados de saúde e pesquisa precisam ser geridas sem fanatismos e paixões.
EDUARDO F. MOTTI
Médico infectologista e sócio gestor da Trials & Trainning
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