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Dia Nacional das Abelhas: dia de conectar-nos à teia da vida

Há muito trabalho pela frente para garantir a sobrevivência desses organismos que são fundamentais no equilíbrio delicado entre a natureza e o ser humano

Abelha Melitoma segmentaria -  (crédito: Julio Pupim)
Abelha Melitoma segmentaria - (crédito: Julio Pupim)

A promoção do Dia Nacional das Abelhas, 20 de maio, representa a  necessidade de reconhecimento da conservação das abelhas e da sua importância fundamental não somente no equilíbrio dos ecossistemas, mas também na produção de alimentos para a humanidade. As abelhas são responsáveis pela reprodução de ao menos 70% de todas as plantas com flores e podem aumentar a produção de várias plantas de importância econômica, como café, soja e girassol.

Atualmente, as abelhas são organismos superpopulares nos livros infantis e ilustram objetos como  pijamas e cadernos escolares. O urso panda, também muito divulgado, virou a página da história da conservação por seu carisma e pelo esforço dos gestores mundiais na preservação do  habitat natural dos ursos. A  maioria das 17 espécies de baleias, outro animal com diversas campanhas de proteção, está mais tranquila e em população crescente nos oceanos, apesar de terem que conviver com enormes quantidades de plástico nos oceanos.

Daí você pode perguntar: "E as abelhas, como elas estão?". Minha resposta rapidamente será: "De qual abelha você está falando? São cerca de 30 mil espécies no mundo, milhares no Brasil e centenas no Cerrado. Algumas estão muito mal, à beira da extinção, e outras, muito bem". 

Mesmo em áreas pequenas, podemos encontrar espécies de abelhas nativas no Cerrado com distribuição super-restrita e outras abelhas endêmicas a pequenas chapadas ou vales. Definir a condição da saúde da população de uma espécie de abelha está muito ligada ao ambiente em que ela vive. 

No bioma do Cerrado, temos muitas espécies únicas e de distribuição restrita que estão suscetíveis à extinção. Com o avanço dos estudos e maior conhecimento taxonômico, vamos reconhecendo que várias espécies antes tratadas como uma só representam, na realidade, espécies distintas e que, muitas vezes, estão ameaçadas de extinção. No Vale do Paranã, entre Goiás e Tocantins, há uma espécie com distribuição super-restrita a ambientes de rochas de calcáreo e com uma planta espacializada. Essa abelha — Centris thelyopsis  — habita uma região com alto interesse pela mineração e alta ambiental. Sem nenhuma área de conservação, é um sinal claro de que essa espécie está na iminência de desaparecer. Na Área de Proteção Ambiental (APA) Cabeça de Veado, em Brasília, há ao menos duas espécies descritas com distribuição restrita a essa área e que estão cada vez mais isoladas pela crescente urbanização do Distrito Federal. 

Com certeza, há muitas espécies que estão sendo extintas pela supressão da vegetação em suas áreas de vida e nem chegamos a conhecê-las. Exemplo disso é a região das florestas semidecíduas, famosas por suas perobas-rosas no estado de São Paulo e no norte do Paraná, que, rapidamente, foram completamente suprimidas no século passado, sem que tenha havido tempo de se conhecer a biodiversidade dessas florestas. Há registro histórico da uruçu-boi, Melipona fuliginosa, para essa região das matas de peroba de São Paulo, uma das abelhas mais fantásticas do Brasil, que foi, provavelmente, extinta desses estados juntamente com outras.

Outro caso alarmante é o da Melipona scutellaris, popularmente conhecida como uruçu-do-nordeste, abelha ícone presente na música Morena Tropicana, de Alceu Valença,"saliva doce, doce mel, mel de uruçu". Essa espécie praticamente está extinta das áreas de Mata Atlântica, pois seu habitat foi dizimado pela expansão da cana-de-açúcar. Outras espécies, mesmo de abelhas passíveis de criação racional, passam por um processo delicado, pois não há um conhecimento aprofundado sobre a saúde das populações, que, por vezes, passam por hibridização entre populações, processo que pode levar à perda de variabilidade genética e a maior vulnerabilidade à extinção. A extinção das florestas exuberantes do norte do Paraná e de São Paulo, tanto quanto do Nordeste, é um exemplo evidente do que aconteceu e pode vir a acontecer no Cerrado e na Amazônia, levando à extinção das espécies ali existentes. 

Em menor e maior escala, esse processo de supressão das áreas naturais e das espécies de abelhas presentes continua ocorrendo. Um patrimônio natural e econômico vai sendo perdido para sempre. A moratória do desmatamento do Cerrado em determinadas regiões de elevado endemismo e expansão agrícola, como os cerrados rupestres do DF e as chapadas do assim chamado Matopiba (áreas na confluência Mato Grosso/Piauí/Piauí/Bahia), e a definição de novas unidades de conservação são urgentes para garantir a sobrevivência das abelhas em seu ambiente natural.

Vemos que existem enormes lacunas e deficiências de conhecimento sobre a biodiversidade de abelhas. Na Universidade de Brasília (UnB), no Laboratório de Abelhas, projetos focam especialmente na análise da distribuição das espécies, suas alterações no passado e presente e no reconhecimento de possíveis novas espécies. Existem vários coletivos e grupos de estudo e pesquisa com abelhas especialmente em Brasília. Na UnB, Embrapa, no ICMBio, na SEEDF, nas associações de criadores (Amed-DF), na  Emater e no Ibram, as abelhas são tema de pesquisa, conservação e educação. São vários grupos integrados com um objetivo maior de conhecer e conservar esses importantes organismos. 

Há muito trabalho pela frente para garantir a sobrevivência desses organismos que são fundamentais no equilíbrio delicado entre a natureza e o ser humano.  Que neste Dia Nacional das Abelhas promovamos a percepção pública  de  que, sim, conservar os habitats desses animais é  uma forma de conectar-nos à natureza,  à biodiversidade e, portanto, à teia da vida.

ANTONIO AGUIAR

Professor do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília (UnB)/Rede Biota Cerrado

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postado em 20/05/2024 06:00 / atualizado em 20/05/2024 13:37
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