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Lições do Rio Grande do Sul para repensar o desenvolvimento

A tragédia no Rio Grande do Sul deve servir como um alerta para todo o Brasil: é hora de repensar nossos modelos de desenvolvimento e infraestrutura

 Aerial view of floods in Eldorado do Sul, Rio Grande do Sul state, Brazil, taken on May 9, 2024. Teams raced against the clock Thursday to deliver aid to flood-stricken communities in southern Brazil before the arrival of new storms forecast to batter the region again. Some 400 municipalities have been affected by the worst natural calamity ever to hit the state of Rio Grande do Sul, with at least 107 people dead and hundreds injured.Teams raced against the clock Thursday to deliver aid to flood-stricken communities in southern Brazil before the arrival of new storms forecast to batter the region again. Some 400 municipalities have been affected by the worst natural calamity ever to hit the state of Rio Grande do Sul, with at least 107 people dead and hundreds injured. (Photo by Carlos FABAL / AFP)
       -  (crédito:  AFP)
Aerial view of floods in Eldorado do Sul, Rio Grande do Sul state, Brazil, taken on May 9, 2024. Teams raced against the clock Thursday to deliver aid to flood-stricken communities in southern Brazil before the arrival of new storms forecast to batter the region again. Some 400 municipalities have been affected by the worst natural calamity ever to hit the state of Rio Grande do Sul, with at least 107 people dead and hundreds injured.Teams raced against the clock Thursday to deliver aid to flood-stricken communities in southern Brazil before the arrival of new storms forecast to batter the region again. Some 400 municipalities have been affected by the worst natural calamity ever to hit the state of Rio Grande do Sul, with at least 107 people dead and hundreds injured. (Photo by Carlos FABAL / AFP) - (crédito: AFP)

SÉRGIO GUIMARÃES*

As recentes catástrofes no Rio Grande do Sul nos lembram brutalmente das consequências da negligência ambiental e da falta de infraestrutura adequada no nosso país. Enquanto enfrentamos essa dolorosa realidade, outro drama, por enquanto mais silencioso, mas potencialmente tão devastador, se desenrola na Amazônia e no Cerrado: o desmatamento descontrolado que ameaça não só a biodiversidade local, a disponibilidade de água e as comunidades que delas dependem, mas também o equilíbrio climático global.

Há tempos os cientistas são unânimes em alertar que estamos nos aproximando do ponto de "não retorno", que, uma vez ultrapassado, desencadeará processos irreversíveis, comprometendo a capacidade de regeneração da floresta e intensificando eventos climáticos extremos por todo o Brasil — como secas severas e inundações devastadoras, como vimos recentemente no Rio Grande do Sul, tragédias que poderiam ser mitigadas com políticas públicas mais robustas e conscientes.

Grandes projetos de infraestrutura, rodovias e hidrelétricas, por exemplo, continuam entre os principais fatores que levam ao desmatamento. A história mostra que a BR-364, que impulsionou a ocupação de Rondônia, a BR-230, conhecida como Transamazônica, e a BR-163 se constituíram no fator decisivo do processo de devastação na região, especialmente pela crônica falta de governança mesmo quando havia medidas construídas coletivamente para evitar os impactos socioambientais, como o plano BR-163 Sustentável, que foi totalmente abandonado.

Da mesma forma, hidrelétricas como Tucuruí, no Rio Tocantins, Belo Monte, no Rio Xingu, Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, e quatro barragens construídas simultaneamente no Rio Teles Pires (afluente do Tapajós), além dos impactos diretos na floresta, na fauna aquática, no regime hídrico de grandes rios e nas comunidades ribeirinhas, contribuem para o desmatamento, as emissões de metano e outros gases de efeito estufa e para a ocupação desordenada da região, incentivando a migração para cidades que já padecem com o deficit de infraestrutura básica.

É preciso assumir que essas atividades não estão precedidas por estudos suficientes para uma tomada de decisão com base técnica — muitas vezes, são definidas a partir de interesses políticos e de setores econômicos diretamente envolvidos — e que aprofundam o processo de desmatamento na região. Exemplos mais recentes, como a Ferrogrão (um projeto de ferrovia de 933km² de extensão entre Sinop (MT) e Santarém (PA), hidrelétricas no Rio Madeira, hidrovia no Tocantins e a proposta de Corredores de Integração Sul-Americana, também têm sido sinônimo de devastação ambiental.

Também é necessário lembrar que o Brasil foi um dos países signatários da Declaração do Uso de Florestas e Terra dos Líderes de Glasgow da COP26, em 2021, que firma o compromisso total com o reflorestamento e a preservação florestal até 2030. Na COP27, no Egito, o presidente Lula reafirmou o compromisso com o acordo internacional. No entanto, as promessas ainda estão distantes da realidade no território. Com isso, o desmatamento avança e os impactos socioambientais se agravam.

Diante desse cenário, é imperativo intensificar e diversificar as ações para proteger a Amazônia e o Cerrado. É essencial promover um diálogo constante entre o governo, organizações da sociedade, movimentos sociais e outros atores para criar políticas públicas eficazes e mecanismos de decisão transparentes e inclusivos. Uma estratégia de atuação efetiva deve ter em vista a proteção da floresta, dos sistemas hídricos e, ao mesmo tempo, respeitar as comunidades e beneficiar a economia regional e a vida no planeta em termos de biodiversidade e equilíbrio climático.

É necessário ainda que as decisões sejam precedidas de estudos robustos de riscos socioambientais, viabilidade econômica e de análises de alternativas de custo-benefício social, ambiental e econômico. Alternativas que devem considerar prioritariamente as necessidades de fortalecimento de uma economia regional sustentável e as necessidades das pessoas, em especial dos grupos mais vulneráveis. Também urge uma comunicação simplificada e bem direcionada, que consiga chegar aos diversos segmentos da sociedade para que, assim, a população possa contribuir com o processo de tomada de decisão.

A tragédia no Rio Grande do Sul deve servir como um alerta para todo o Brasil: é hora de repensar nossos modelos de desenvolvimento e infraestrutura. Não podemos permitir que a busca por progresso econômico imediato continue a sacrificar o meio ambiente e a segurança das atuais e futuras gerações. Agir agora é fundamental para evitar que as cenas de destruição que chocaram o país se tornem cada vez mais comuns. 

*Secretário executivo do GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental

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postado em 16/05/2024 06:00
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