Visão do Correio

Intolerância religiosa não cabe no Brasil plural

O Brasil é um país plural, mas seu povo ainda carece de praticar o respeito à diversidade e aos direitos humanos.

pri-2506-opiniao opinião  -  (crédito: Caio Gomez)
pri-2506-opiniao opinião - (crédito: Caio Gomez)

Qual é o dano pessoal que a opção religiosa de alguém pode causar ao próximo? A indagação se impõe diante da reação de pelo menos 200 mil brasileiros que deixaram de ser seguidores da cantora Anitta. Ela revelou ao público que aderiu ao candomblé, expôs a sua iniciação na afrorreligiosidade e tornou-se alvo da intolerância religiosa. Foi o suficiente para o afastamento dos fãs e de ácidas críticas por meio das plataformas digitais. Mas as ofensas não suprimem o valor artístico da cantora, uma celebridade do funk carioca, com valores reconhecidos nacional e  internacionalmente.

A intolerância religiosa é lamentável comportamento que se arrasta desde o século 16, quando chegaram ao país os primeiros grupos de negros sequestrados em vários povos do Continente Africano, para serem escravizados no Brasil, pelos colonizadores europeus. Nos tribunais de Justiça do país, as ações motivadas por intolerância religiosa somam 33% (176 mil) entre as relacionadas ao racismo, segundo levantamento da startup Jus Racial. A instituição constatou que no Supremo Tribunal Federal (STF), a intolerância religiosa representa 43% de 1,9 mil processos contra o racismo.

A reação dos (ex) fãs de Anitta é mais uma demonstração da repulsa de parcela da sociedade aos valores dos legados africanos. Trata-se de comportamento recorrente no país. A demonização do povo negro e de sua religiosidade está ancorada no racismo. Enquadra-se entre as afrontas à Constituição de 1988, que garante a liberdade religiosa no país, a igualdade de direitos a todos os cidadãos, independentemente da origem étnico-racial. Ofende também o arcabouço legal dos direitos humanos. Porém, nenhum marco legal tem conseguido impedir a violência contra as instituições e aos adeptos das religiões de matrizes africanas. Denúncias levadas aos fóruns internacionais de direitos humanos também não surtem efeito mitigador desse comportamento.

Nas religiões de matrizes africanas, não há restrições ao gênero, à cor da pele, à condição socioeconômica, ao status social, ao grau de escolaridade e a tantos outros paradigmas que dividem a sociedade em castas e motivam disputas por espaços, muitas vezes, insanas e mortais. Entendem como fundamentais o respeito entre as pessoas, a preservação da vida, o direito de escolha, inclusive, religiosa, de pensamento, de expressão. A ausência de preconceitos é uma das razões que tem elevado o número de adeptos aos terreiros.

A falta de letramento racial está entre as causas do racismo e das atitudes violentas, preconceituosas e intimidadoras contra os adeptos do candomblé e da umbanda em todo o território nacional. A Lei nº 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas públicas ou particulares, desde o ensino fundamental até o ensino médio, não é cumprida. A educação é uma das formas mais eficazes de quebrar os estigmas, forjados em inverdades, consolidados em relação ao povo negro, suas culturas, práticas de fé, hábitos e costumes. 

A hegemonia das vertentes de religiões cristãs não autoriza uma cruzada racista, intolerante, agressiva e violenta contra pretos e pardos nem contra a afrorreligiosidade. Há espaço para todas no país, sob o manto da Constituição Cidadã. O Brasil é um país plural, mas seu povo ainda carece de praticar o respeito à diversidade e aos direitos humanos.

 

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postado em 16/05/2024 06:00 / atualizado em 16/05/2024 08:40
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