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Artigo: Ao Sul, com carinho

Depois que as águas baixarem, as imagens dantescas dos corpos boiando nos perseguirão por muito tempo. Servirão de alerta para que o homem deixe de ser lobo de si mesmo

 São Lourenço RS 14/05/2024 - Sobrevôo sobre as cidades de Pelotas e São Lourenço do Sul mostrando a situação das enchentes - Foto: Gustavo Vara
       -  (crédito:  Foto: Gustavo Vara)
São Lourenço RS 14/05/2024 - Sobrevôo sobre as cidades de Pelotas e São Lourenço do Sul mostrando a situação das enchentes - Foto: Gustavo Vara - (crédito: Foto: Gustavo Vara)

A chuva que despenca do céu tem gosto de lágrimas. Memórias de uma batalha pela vida que pode ter durado horas, talvez dias. O cavalo, um dos ícones dos pampas, ficou preso no telhado e virou um dos símbolos da catástrofe. Em meio a tanta tragédia e desolação, há gente sem coração, que insiste em disseminar cizânia e mentira. As inverdades lançadas a esmo nas redes sociais apenas potencializam a catástrofe. Impedem que a ajuda chegue a quem se encontra desesperado por uma mão, um alimento ou um simples abraço. Dói perceber como a polarização política consegue ser tão brutal e corrosiva.  Mesmo em um momento que exige união e solidariedade, tem gente que, motivada pelo fanatismo ideológico, dissemina maldades, em um gesto irracional e ilógico. 

Imaginem os mortos semanas atrás. Seres humanos, talvez curtindo um dia de sol com a esposa ou o marido, talvez brindando o casamento dos filhos, talvez fazendo planos que naufragaram para sempre no vazio. Ouçam os gritos das crianças, separadas dos pais. Órfãs do absurdo, do desprezo com a natureza, da força bruta do dinheiro, do negacionismo e da aposta na incerteza. Tantas crianças que não terão mais o aconchego do seio da mãe, as palavras de consolo do pai, a mesa de jantar repleta de afeto, amor e carinho.  

Sob as águas, agora há casas, vidas construídas com tanto suor e esforço, hoje destruídas. Levadas pela enxurrada, pelas pedras que desceram morro abaixo. Ainda que muitos ratos proliferem, sem controle, falsidades nas redes sociais, o mundo está repleto de bondade. Tem sido emocionante acompanhar a solidariedade, as doações de donativos em todo o Brasil, os gestos e as palavras de força, a compaixão e a empatia, que transformam noite escura em dia. O trabalho impecável da imprensa, levando informação séria e ajudando a acionar a corrente do bem, de modo que a dor de tantos seja, ao menos, atenuada. 

Depois que as águas baixarem, as imagens dantescas dos corpos boiando nos perseguirão por muito tempo. Servirão de alerta para que o homem deixe de ser lobo de si mesmo. E respeite sua casa sagrada, a natureza, o meio ambiente. Depois que esse pesadelo passar, será a hora de a nação se unir, aprovar uma regulação das redes sociais e tomar medidas concretas para a redução de danos humanos e materiais ante novas e prováveis tragédias. Que a dor seja professora nestes dias tão sombrios.

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postado em 15/05/2024 06:00
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