A taxa de desocupação da força de trabalho no Brasil vem se reduzindo de forma gradativa desde maio de 2021, quando atingiu o patamar de 14,61% na média móvel de 12 meses. Em maio de 2022, esse número se reduziu para 11,45%, e continuou seu processo de queda, alcançando 8,49% em maio de 2023. Os dados mais recentes disponíveis mostram que a média móvel da taxa de desocupação alcançou 7,75% da força de trabalho em março de 2024, o menor valor desde janeiro de 2019, mês no qual a média móvel em 12 meses da taxa de desocupação era de 12,35%.
Essa redução de quase cinco pontos percentuais (p.p) da taxa de desocupação no período 2019-2024 tem levado alguns economistas a afirmarem que a economia brasileira estaria operando com pleno-emprego, de maneira que seria desnecessário, e talvez contraproducente, continuar o processo de redução da taxa básica de juros sob o risco de produzir uma aceleração inflacionária no futuro próximo. Essa análise se baseia na assim curva de Phillips expandida pelas expectativas, segundo a qual uma taxa de desemprego inferior à taxa de equilíbrio provocará um processo de desancoragem das expectativas de inflação, devido ao sobreaquecimento do mercado de trabalho, o que irá resultar numa elevação da taxa de inflação.
Mas no que consiste essa taxa de desemprego de equilíbrio? Esse é um conceito muito caro à teoria econômica convencional, mas envolve um raciocínio em círculos. A taxa de desemprego de equilíbrio é a taxa de desemprego para a qual a inflação permanece constante ao longo do tempo. Como se trata de uma variável não diretamente observável, pode-se fazer estimações estatísticas dela, mas com resultados bastante díspares a depender do modelo estatístico empregado. Dada a incapacidade de se determinar diretamente o valor da taxa de desemprego de equilíbrio, na prática os formuladores de política econômica adotam um procedimento indireto: a economia terá alcançado seu desemprego de equilíbrio quando a inflação não apresentar tendência de alteração no médio prazo. Daqui se segue que qualquer taxa de desemprego para a qual a inflação permaneça estável por um período suficientemente longo de tempo será a taxa de desemprego de equilíbrio (!). Trata-se, portanto, de um conceito irrefutável e, como tal, metafísico.
Uma das mais graves deficiências de formação dos economistas convencionais é ignorar o fato de que a validade dos modelos econômicos depende do contexto para o qual foram construídos. A curva de Phillips foi desenvolvida originalmente em 1958 como uma análise empírica a respeito da relação entre a inflação salarial e o desemprego na economia do Reino Unido. A economia britânica era, e ainda é, uma economia madura, onde toda a mão de obra era transferida dos setores tradicionais ou de subsistência para os setores modernos ou capitalistas. Economias maduras se caracterizam pela homogeneidade estrutural, ou seja, pela inexistência de diferenciais de produtividade significativos entre os setores de atividade econômica. Nesse tipo de economia, quando um trabalhador é demitido, ele se torna efetivamente um desempregado, cuja sobrevivência irá depender da generosidade do sistema de seguro-desemprego e das suas próprias economias durante o período em que estiver buscando uma nova colocação no mercado de trabalho.
A economia brasileira está muito longe de ser considerada uma economia madura. Com efeito, uma parcela significativa da força de trabalho no Brasil está ocupada em empregos informais, ou é classificada como "autoempregada". No primeiro trimestre de 2022, por exemplo, 26,47% da força de trabalho estava empregada no setor informal da economia, ao passo que 12,92% eram autoempregados, somando um total de 39,39% da força de trabalho. Quando olhamos os dados de emprego de acordo com a intensidade tecnológica do setor de atividade econômica (baixa, média-baixa, média, média-alta e alta) observamos que para o ano de 2022 exatos 39,30% da força de trabalho ocupada estava desempenhando suas atividades em setores de baixa e média-baixa intensidade tecnológica.
Em outras palavras, o emprego informal e o autoemprego no Brasil são essencialmente ocupações de baixa produtividade e baixos salários, consistindo, portanto, em desemprego disfarçado na concepção desenvolvida pela economista Britânica Joan Robinson em 1937.
Quando levamos em conta o enorme desemprego disfarçado no Brasil, percebemos que existe ainda muito espaço para o crescimento econômico por intermédio da transferência de trabalhadores dos setores de baixa produtividade para os setores de média e alta produtividade. Mas, para tanto, o Banco Central precisa acelerar o passo da redução da taxa de juros.
* José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília
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