*OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS
A polarização ideológica que invadiu nosso país passou dos limites razoáveis para um convívio social saudável. E o meio que a intensifica são as mídias digitais.E não adianta oferecer contraponto às bizarrices que lá circulam, pois não há espaço para persuasão. Antes que qualquer diálogo, as pessoas estão convencidas da irreversibilidade de suas opiniões.
Parte da sociedade se escravizou pela liberdade das mídias digitais, juntando-se a grupos que falam a sua linguagem e cujas lideranças arregimentam os preguiçosos por pensar, pensando por eles. Nesse ambiente, essas pessoas foram sendo exponencialmente infectadas pelo vírus da incompreensão, ao ponto de se tornarem zumbis hipnotizados pelos smartphones.
Não precisamos de profunda pesquisa antropológica para medir essa tese. Sente-se em um banco de um parque, de um shopping center, de um aeroporto ou de um transporte público. Observe as pessoas que passam diante de você. Celular na mão, digitando insanamente, tropeçando aqui e acolá, ansiosas por encaminhar as mensagens recebidas sem sequer avaliá-las quanto ao mínimo de veracidade.
Por isso, é preciso afrontar prontamente o comportamento oligofrênico que alguns indivíduos assumiram ao divulgar inverdades sobre a catástrofe meteorológica que arrasou a Região Sul do país e que deixou milhares de desabrigados, centenas de mortos e devastação impossível de quantificar.
Justapostos aos fatos dantescos que os órgãos de comunicação nos deram a conhecer, comentários desairosos quanto às ações desencadeadas passaram a circular nos aplicativos e grupos de notícias. Esses "especialistas de google" têm todas as respostas para as questões climáticas e as discutem com a profundidade de uma lâmina de água. Mas não sabem diferenciar cúmulos de nimbos.
Sabem pilotar um helicóptero de última geração, fazer um arriscado fast rope e descer em áreas inundadas, ou içar pelo gancho um bebê com hipotermia que poderia vir a óbito em pouco tempo. Mas nunca entraram em um helicóptero. Conduzem o timão de um poderoso navio de guerra, reconhecem as cartas náuticas e dominam a logística de carregamento nos porões dessa belonave. Mas só viram um navio de grande porte nas telas de cinema. Decolam com aeronaves cargueiros no limite do peso, em pistas curtas e molhadas, a qualquer dia ou hora. Mas suas habilidades advêm do manejo de joysticks que comandam games em telas das TVs e no conforto de suas salas. Felizmente a realidade se impõe a essas fanfarronices infantis.
Diversas autoridades, em todos os Poderes e em todos os níveis da administração deixaram ao costado divergências e se uniram em propósito comum. Os órgãos de defesa civil, de segurança pública, organizações não governamentais, meios de imprensa, setores do serviço, comércio e da indústria, Forças Armadas e, principalmente, a sociedade, que sofre enquanto ajuda, venceram o pecado do egoísmo com a virtude da cooperação.
Os dados disponíveis a seguir foram obtidos na quarta-feira última (8/5), junto ao Comando Conjunto Sul, estrutura montada pelo Ministério da Defesa para conduzir a Operação Taquari 2, que reúne várias agências governamentais e não governamentais:
— Estimativa de mais de 56.000 pessoas resgatadas, além de 5.200 animais;
— Apoio a 414 municípios mais severamente atingidos;
— Cerca de 17.000 militares, policiais e outros agentes envolvidos na operação;
— Cerca de 2.700 viaturas e 80 equipamentos de engenharia aplicados no terreno;
— Mais de 42 aeronaves de asa fixa e rotativa voando sobre a área de operações;
— Um navio multitarefa da Marinha do Brasil e 270 embarcações;
— Quatro hospitais de campanha desdobrados no terreno;
— Milhares de litros de água potável distribuídos para pessoas isoladas, hospitais e abrigos; e
— Centenas toneladas de refeições, mantimentos e medicamentos fornecidos.
As expectativas meteorológicas continuam preocupando. O caos social está presente no dia a dia tanto de abastados quanto de remediados. Certamente as operações ainda vão muito longe. As instituições envolvidas seguem de prontidão, cumprindo suas missões com espírito resiliente para absorver críticas e inabaláveis na vontade de apoiar física e emocionalmente todos os afetados.
Se, diante dos fatos, alguns antolhados ainda não estiverem convencidos do esforço despendido ou não quiserem ajudar, que não atrapalhem. Voltem ao celular e continuem postando mais dancinhas em seu aplicativo favorito. Os que quiserem ajudar, e sabemos que é a imensa maioria dos brasileiros, alinhem-se no esforço. Em todo país, milhares de postos de coleta estão reunindo e enviando ajuda aos desabrigados. O seu pouco será muito para quem nada mais possui.
*General da reserva, foi chefe do Centro de Comunicação Social do Exército
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