*LINEU NEIVA RODRIGUES Pesquisador da Embrapa Cerrados e conselheiro da Rede Nacional da Agricultura Irrigada (Renai)
Em um cenário onde o clima é cada vez mais incerto, a produção de alimentos em agricultura de sequeiro (sem irrigação), se torna mais vulnerável. Nesse contexto, a irrigação destaca-se como uma das principais tecnologias para trazer sustentabilidade e estabilidade à produção de alimentos. O desafio é equilibrar o crescimento da agricultura irrigada com a oferta hídrica, principalmente em bacias hidrográficas onde a disponibilidade hídrica já é baixa.
Passados mais de 20 anos desde a promulgação da Lei nº 9.433, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, ainda persiste o desafio de garantir que os recursos hídricos sejam utilizados de forma sustentável. Com critérios muito restritivos, a outorga tem limitado o acesso à água, limitando o crescimento da agricultura irrigada, o que está criando diferenças sociais no campo e insegurança hídrica para os usuários.
A agricultura irrigada compete diretamente com outros usuários pelo uso da água superficial e/ou subterrânea. É essencial compatibilizar produção de alimento, fibras e energia ao uso múltiplo e sustentável dos recursos hídricos. Para avançar nesse caminho, é importante trabalhar nos fatores que afetam a oferta e a demanda hídrica.
A maior parte dos recursos hídricos ainda continua sendo manejada de maneira fragmentada, desconsiderando relações importantes, como aquela existente entre as águas subterrânea e superficial. A alocação da água ganhou impulso com a escassez de água. Os processos de tomada de decisão, por outro lado, estão cada vez mais complexos, com necessidade de decisões mais rápidas, além de depender de análises de quantidade de dados cada vez maiores. Esses fatores aumentam o risco de tomadas de decisão equivocadas. Torna-se, portanto, importante avançar no uso de tecnologias da informação, da comunicação, de big-data e de modelos de inteligência computacional e simulação que possam viabilizar a emissão de alertas e suporte à decisão.
De maneira geral, houve avanços na pesquisa em recursos hídricos, mas essas ações ainda são isoladas e difusas. Ainda existem muitas demandas qualificadas em pesquisa e desenvolvimento que são fundamentais para enfrentar os antigos e os novos desafios de forma a fornecer uma base sólida de conhecimentos indispensáveis para o entendimento integrado da dinâmica da água na bacia hidrográfica.
As soluções na agricultura devem se basear em mecanismos que contribuam para aumentar a oferta hídrica na bacia hidrográfica, como os sistemas de conservação do solo, que estão em constante adaptação e evolução. Esses sistemas são os que apresentam o maior potencial de contribuir para os recursos hídricos em termos de sua qualidade e quantidade.
Analisando aspectos da demanda hídrica, estima-se que cerca de 80% da produção adicional de alimento, necessária para atender as demandas futuras, serão provenientes de áreas irrigadas. Assim, é cada vez mais importante melhorar a eficiência de uso da água na irrigação, como melhorar o manejo do sistema, desenvolver técnicas de gerenciamento da demanda e desenvolver culturas mais resistentes ao estresse hídrico.
O efeito das mudanças climáticas no ciclo hidrológico ainda é incerto. No Brasil, há cenários que projetam mais chuvas em algumas regiões, enquanto outros demonstram o oposto. É importante compreender melhor como e em que magnitude as mudanças climáticas afetam os processos hidrológicos e os aspectos quantitativos e qualitativos dos recursos hídricos nas diferentes regiões brasileiras.
Uma avaliação das ações prioritárias e dos desafios a enfrentar, indicam que os avanços necessários para o desenvolvimento sustentável da agricultura irrigada devem ser feitos com políticas de Estado e não de governo. Além disso, devem ser conduzidas de maneira integrada, sem perder de vista as demandas atuais da sociedade.
Nesse contexto, ganha importância a estruturação de programas efetivos de comunicação para o estabelecimento de estratégia abrangente e integradora para se enfrentar os vários problemas relacionados ao uso da água na agricultura.
Os avanços necessários para manejar o aumento da escassez hídrica e outros problemas emergentes dependerão fortemente da constituição de bases de conhecimento, de novas tecnologias, de estratégias de manejo e, certamente, de políticas públicas que tragam para o irrigante segurança ambiental, hídrica, energética e jurídica.
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