Os dados do Censo Escolar 2023 — e o fato de contarmos com suas séries históricas — suscitam análises que qualificam o debate sobre a educação básica no Brasil e mostram fatores importantes para a proposição e o acompanhamento de políticas públicas. São informações valiosas quando olhamos especificamente para a expansão e a qualidade da educação integral em tempo integral, presentes no Plano Nacional de Educação (PNE) vigente e uma das pautas prioritárias do governo federal.
Um exemplo é como insumo para acompanharmos o ritmo e o alcance da expansão. Em julho do ano passado, o Ministério da Educação (MEC) iniciou o programa Escola em Tempo Integral com o objetivo de estimular a permanência e a aprendizagem de crianças e jovens por período igual ou superior a 35 horas semanais — uma média de sete horas por dia — nas redes estaduais e municipais. O Censo nos mostra que temos 21% dos estudantes da educação básica matriculados em tempo integral, um número bem próximo ao da meta do PNE, de 25% dos alunos até o fim de 2024. Por outro lado, nem toda etapa de ensino chegou a esse patamar. No fundamental, são 14,9% dos estudantes. Na pré-escola, o percentual fica em 14,2%. Será essencial acompanharmos essa evolução, assim como em que medida ela é ofertada prioritariamente para aqueles que mais precisam.
Outro exemplo é o mapeamento de uma tendência preocupante: que a educação integral em tempo integral com qualidade pode ajudar a reverter a taxa de migração dos estudantes do ensino regular para a Educação de Jovens e Adultos (EJA). O perfil etário dos alunos na EJA está mudando conforme se avança na trajetória. Do 1º ao 5º ano, a idade mediana é 48 anos; entre o 6º e o 9º ano, 26 anos; e no ensino médio, 23. Logo, temos mais jovens que adultos nessa etapa, sendo, em sua maioria, alunos com histórico de repetência e abandono na escola regular.
A transformação da escola em um local interessante para os adolescentes é um desafio que requer formação e apoio técnico aos gestores e professores. Mas não apenas, já que ainda exige que todas as instâncias unam forças para propor uma escola mais sintonizada com as adolescências e voltada ao desenvolvimento das suas diferentes dimensões cognitivas, emocionais, sociais, físicas e éticas. Pouco ou nada adianta ofertar mais tempo do mesmo, se as aulas forem desinteressantes e sem espaço para engajar os estudantes. Mais recentemente, a União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), o Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e o MEC uniram forças para o desenho de uma política nacional em prol dos anos finais, voltada a uma Escola das Adolescências, que pode contribuir diretamente nesse sentido.
O Censo Escolar apresenta ainda outro importante dado que se articula com a educação em tempo integral: a forma como diretores das escolas públicas são escolhidos. A seleção de gestores escolares precisa incluir critérios técnicos. Afinal, é um papel estratégico liderar a implementação dessa proposta na escola, garantindo que os recursos sejam alocados de forma eficiente; os professores colaborem entre si e sejam apoiados adequadamente; o currículo, de fato, amplie as oportunidades de aprendizagem; e as necessidades específicas dos alunos sejam atendidas de maneira eficaz. Embora com crescimento de 5,7% em relação ao ano de 2022, nas redes municipais 45,8% dos gestores ainda são escolhidos exclusivamente por indicação ou nomeação da administração.
Felizmente, iniciativas como a complementação Valor Aluno Ano Resultado (VAAR), criada pela Lei do Novo Fundeb, em 2020, oferecem uma oportunidade promissora de promover uma seleção mais acertada, que virá a contribuir para os desafios de gerir uma escola de educação integral em tempo integral. A lei prevê escolhas baseadas em parâmetros técnicos de mérito e desempenho ou contando com a participação da comunidade escolar. Em 2023, o VAAR distribuiu R$ 1,6 bilhão e, em 2024, a expectativa é de que chegue a R$ 3,3 bilhões.
Essas são reflexões que reforçam a importância dos dados no debate educacional e, mais especificamente, a relevância do Censo Escolar. No Seminário Interministerial sobre Educação em Tempo Integral, realizado em 9 de abril pelo MEC, as diversas experiências brasileiras e de países da América Latina trouxeram os múltiplos desafios de implementação, como a equidade na alocação das matrículas de tempo integral; o currículo e as mudanças nas práticas e culturas escolares; as condições de seleção, trabalho e formação docente, assim como de investimentos na infraestrutura, transporte e alimentação escolares — além do próprio monitoramento dessas políticas e programas.
Só o acompanhamento da implantação das políticas permite ajustes necessários, na medida em que a política se desdobra na vida real, em cada Secretaria de Educação, em cada território. Nesse sentido, os dados do Censo Escolar seguirão sendo um conjunto importante de evidências para o monitoramento e aprimoramento contínuo do avanço da educação integral com qualidade para cada e toda criança, adolescente e jovem no Brasil.
*Patrícia Mota Guedes é superintendente do Itaú Social, mestre em políticas públicas pela Universidade de Princeton e em administração pública pela Universidade de Massachusetts Amherst.
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