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Por um serviço público com a cara do Brasil

Há uma percepção da própria população sobre a importância da diversidade para um serviço público eficaz e eficiente. Isso demonstra que a Lei de Cotas está em consonância com o que a população espera do serviço público

Em primeiro lugar, vale lembrar que as políticas de cotas são um tipo de ação afirmativa, que tem como objetivo reverter disparidades históricas em favor de um certo grupo discriminado -  (crédito: Caio Gomez)
Em primeiro lugar, vale lembrar que as políticas de cotas são um tipo de ação afirmativa, que tem como objetivo reverter disparidades históricas em favor de um certo grupo discriminado - (crédito: Caio Gomez)

Em 2014, a partir da Lei 12.990/2014, a administração pública federal passou a adotar o sistema de cotas para pessoas negras nos concursos públicos. A principal justificativa para a formulação e a implementação dessa medida baseou-se em dados que demonstravam a desproporção entre pessoas negras e brancas nos cargos efetivos das carreiras da administração pública federal.

Em 2023, os ministérios da Igualdade Racial, da Gestão e Inovação, dos Povos Indígenas e da Justiça e Segurança Pública trabalharam para que sua renovação incluísse alguns aprimoramentos importantes, sempre baseados nas pesquisas e dados existentes sobre a lei e seu impacto. Embora haja resultados positivos durante sua vigência, ainda não alcançamos o impacto desejado.

Vejamos por que é importante renovar e aprimorar essa legislação. Em primeiro lugar, vale lembrar que as políticas de cotas são um tipo de ação afirmativa, que tem como objetivo reverter disparidades históricas em favor de um certo grupo discriminado. Embora as ações afirmativas sejam conceituadas como políticas de caráter provisório, o Brasil começou a implementá-las muito recentemente.

No caso do serviço público, 10 anos é um tempo exíguo para reverter desigualdades tão profundas. Alguns órgãos não realizaram concursos durante esse período e os que realizaram tiveram dificuldades em implementar as medidas previstas na lei, o que resultou em um avanço tímido no número de servidores negros concursados. De acordo com o estudo realizado pela ENAP/UnB, em 2013, a parcela de negros concursados era 28%, e, em 2019, chegou a 31%. Políticas de correção de desigualdades precisam de continuidade.

Em segundo lugar, ainda como consequência do baixo impacto no primeiro decênio da lei, é necessário aprimorar sua eficácia. Para isso, o PL prevê um aumento de 20% para 30% da reserva de vagas como forma de acelerar o processo de diversificação da composição dos quadros funcionais da administração pública federal.

Outra mudança importante é a inclusão dos processos seletivos simplificados e das vagas que surgirem durante a validade do concurso, tais medidas ampliam a "cobertura" da atual lei ao aumentar a quantidade de cargos públicos que estarão disponíveis para pessoas negras.

Vale lembrar que o substitutivo apresentado pela relatoria prevê que o monitoramento e a avaliação ficarão sob responsabilidade dos órgãos de modo articulado, garantindo que o órgão responsável pela promoção da igualdade racial tenha acesso aos dados de servidores coletados e gerenciados pelo órgão de gestão da administração pública. Essa previsão legal trará melhores condições para produzir uma avaliação da política nos próximos anos.

A redação do novo projeto de lei busca solucionar algumas dificuldades, como o fracionamento de vagas e o descumprimento dos critérios de alternância e proporcionalidade. Esses foram gargalos recorrentes na implementação da Lei 12.990/2014 que prejudicaram o ingresso de mais pessoas negras nos últimos anos.

Em terceiro lugar, a lei atual não contempla quilombolas e indígenas, e o texto em proposição passa a contemplá-los. Esse é mais um ponto central para o debate: a importância de que nossos órgãos públicos espelhem a sociedade brasileira e sua diversidade étnico-racial, regional e de gênero. A pesquisa realizada pelo DataFolha para o Movimento Pessoas à Frente apontou que 56% dos brasileiros consideram que a minoria ou nenhum dos funcionários públicos é representativo da diversidade e/ou conhece os desafios da população.

Outro dado informa que 89% dos entrevistados concordam totalmente ou parcialmente que ações para promover a diversidade racial no serviço público são importantes. Ou seja, há uma percepção da própria população sobre a importância da diversidade para um serviço público eficaz e eficiente. Isso demonstra que a lei está em consonância com o que a população espera do serviço público.

O movimento negro brasileiro historicamente reivindica mais acesso ao mercado de trabalho, mais igualdade de oportunidades no mundo do trabalho. A Lei de Cotas no serviço público responde a essa demanda social, oportunizando chances mais justas para que pessoas negras possam ocupar as vagas no quadro funcional do Estado brasileiro.

Márcia Lima

Secretária de Políticas de Ações Afirmativas, Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial

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postado em 05/05/2024 06:00
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