A questão racial no Brasil é marcada por uma grande luta por espaços. Último país a abolir politicamente a escravidão, o nosso país, de forma prática, ainda não conseguiu se livrar desse modus operandi de disputa, mesmo que disfarçadamente, em pleno século 21.Para “humanizar” o negro brasileiro, algumas leis abolicionistas tiveram grande relevância. Leis que foram resultado de movimentos abolicionistas, que promoviam a emancipação dos escravizados, como a Lei Eusébio de Queirós (1850), a Lei do Ventre Livre (1871), a Lei dos Sexagenários (1885) e a Lei Áurea (1888).
A falta de abertura para orientação intelectual, ideológica, econômica das elites políticas e a continuidade cultural no processo de exclusão da população negra são apontadas pela literatura especializada como uma falha, no processo de inserção do negro no mercado de trabalho após a abolição. Esse conjunto enquadrava o negro como problemática nacional, seja por gerar uma população ociosa, seja por conta dessa ociosidade forçada ser conectada à marginalidade. Aliado a posturas políticas, o fator que era visto como problemática, poderia ter sido potencializado como virada de chave, se tivesse acontecido um entendimento que a formação acadêmica desses libertos e de seus descendentes seria a grande revolução social.Perderam a linha da história e mantiveram-se na lanterna do desenvolvimento humano.
E, em 2024, como podemos dizer que avançamos com as políticas públicas no setor público, e no setor privado? Quais são as medidas tomadas para criação de instrumentos que possam erradicar o racismo estrutural? Lembremos que a Constituição Federal de 1988 elenca a igualdade, em seu preâmbulo, como valor fundante do Estado Democrático de Direito, e estabelece como objetivo da República Federativa do Brasil, entre outros, a redução das desigualdades sociais e regionais, bem como a proibição de discriminação no trabalho e na educação, direitos sociais, também direitos humanos, fundamentais, conforme disposições nos artigos 3º, IV, 5º, caput e incisos I e II, 7º, XXX, e 170, VII, 206.
Por meio da Lei n° 12.288/2010, o Estatuto da Igualdade Racial, o direito brasileiro garante à população negra, historicamente discriminada, igualdade de oportunidades no acesso aos direitos fundamentais, impondo ao Estado e à sociedade o dever de garantir esses direitos, conforme estabelecem os artigos 1º e 2°. Para tanto, o relatório dos juristas negros apresentado à Câmara dos Deputados traz o debate a partir do arcabouço jurídico conquistado, que discute, em primeiro lugar, a necessidade da implementação de políticas afirmativas no setor privado. E, ainda, que incluam a implementação de cotas raciais e outras modalidades de ações voltadas à equidade racial, assim como ao combate à discriminação por motivo de orientação sexual e/ou de identidade de gênero. Não basta reforçar apenas a “contratação de profissionais negros”, fazendo-se necessária também a adoção de metas e assunção de compromissos mais amplos, a exemplo de contratações de negros e negras para funções de gerência, chefia e direção nas corporações privadas.
O que as empresas privadas e as autarquias estão fazendo para melhorar esse “gap” e responder às demandas de investidores que buscam organizações com responsabilidade social para alocar recursos? Manutenção de uma mão de obra barata e com grande demanda pela necessidade de sobrevivência. E essa postura se mantém até os dias atuais. E pronto.
Existem bolhas que precisam ser superadas não só por poucos, por isso ainda podemos pensar que o povo negro continua sendo a carne mais barata do mercado. Uma demanda muito grande para os postos de trabalho reduzidos, além de uma diferença salarial, descabida. Olhando para trás, vivendo o hoje e mirando para o futuro, fica um vislumbre para onde estamos caminhando e que o Brasil somente irá superar o racismo se as oportunidades, as carreiras, as remunerações forem pensadas a partir da qualidade dos profissionais e de um esforço para superação de desigualdades históricas.
Essa é uma agenda urgente: reestruturar as relações étnico-trabalhistas, sejam por leis, por projetos, ou iniciativas particulares. Mas, principalmente, por uma postura combativa da própria população negra do Brasil nesse setor.
ERNANDES MACÁRIO
Especialista em educação integral, cidadania e inclusão social pela UFRPE, com MBA em gestão de negócios pela USP
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