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Congresso legisla para abastados

Além da PEC do Quinquênio, que fortalece os salários robustos do Judiciário, a regulamentação da reforma tributária terá 12 relatórios, para que os parlamentares conheçam a ribalta e ganhem holofotes e visibilidade ante seus eleitores

Arthur Lira foi recebido num jantar para dezenas de
Arthur Lira foi recebido num jantar para dezenas de "garfos", oferecido pela Associação Brasileira de Hotéis na semana passada - (crédito: Evandro Éboli)

"Concierge de honra". Com essa designação, Arthur Lira foi recebido num jantar para dezenas de "garfos", oferecido pela Associação Brasileira de Hotéis na semana passada, horas depois de a Câmara aprovar o Programa Especial de Recuperação do Setor de Eventos (Perse). Era o agradecimento pela atuação do presidente da Câmara em prol do setor, que o recebeu com toda pompa e um painel enorme colorido ilustrado com a projeção da assinatura de Lira. Concierge é aquele simpático funcionário de hotel, que recebe os hóspedes na entrada, com sorriso acolhedor e que nada deixa faltar aos clientes.

O Senado confirmou, ontem, a aprovação do Perse, um programa criado durante a pandemia, para salvar o setor que envolve a indústria do turismo, atingido pelos efeitos da covid-19. O segmento garante que segue precisando das benesses do Estado. Agora, uma renúncia fiscal de R$ 15 bilhões. Quando discursam, incluem no argumento de convencimento os vendedores de côco na praia na cadeia a ser beneficiada, categoria que ficou fora do jantar.

No Senado, caminha ainda a PEC do Quinquênio, que aumenta os salários robustos do Judiciário a cada cinco anos. Dane-se o teto salarial de R$ 44 mil, que, nesses casos, poderá ser perfurado sem estar sujeito a penalizações. Entusiasta dessa PEC, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fala em necessidade de tornar essas carreiras mais "atrativas". Como se não fossem "atrativos" os contracheques de juízes e integrantes do Ministério Público, devidamente rechonchudos.

Outra alegria para a camada de cima é a regulamentação da reforma tributária. Em plena campanha para reeleger seu sucessor, Arthur Lira decidiu, numa canetada, que essa fase final do texto não terá apenas um relator, mas vários. Pelo menos 12. Assim, agradará a todos os partidos, dará espaço para parlamentares que vão conhecer pela primeira vez a ribalta, que serão procurados por jornalistas e ganharão os holofotes. Em ano eleitoral, no qual deputados precisam eleger "seus" prefeitos, é um prato cheio. O presidente Lula detestou e queria mesmo que fossem mantidos os dois relatores do texto principal: o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e o senador Eduardo Braga (MDB-AM).

A questão é que Lira anunciou que tem muito deputado qualificado nas tais frentes parlamentares. Essas frentes são verdadeiras extensões do setor privado dentro do Congresso. Ignorados pela área econômica do governo, que não deu espaço para esses grupos na elaboração dos projetos nas discussões no Ministério da Fazenda, essa associação de deputados com empresários se reuniram em Grupos de Trabalho Paralelos, dentro da Câmara, usando estrutura pública, para elaborar suas propostas e, agora, tentarem desfigurar o texto do governo.

Fernando Haddad declarou que cabe também ao Congresso Nacional responsabilidade fiscal. Não falou nada demais. Mas Pacheco sentiu-se atingido e reagiu acusando o ministro de ter sido injusto e falou em "admoestação", repreensão de Haddad. Não foi para isso tudo. Nessa toada, o Congresso segue legislando para os abastados.

 


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postado em 01/05/2024 06:00
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