ENERGIA

Hidrogênio verde para combinar recursos naturais à reindustrialização

O H2V traz a oportunidade de combinar os recursos naturais energéticos ao processo de industrialização, capaz de conduzir o país à nova ordem econômica mundial verde

Muito tem sido falado, discutido e debatido sobre o hidrogênio verde (H2V) no Brasil: potencialidades para produção, possibilidades de usos, posicionamentos de polos para exportação e consumo interno, agendas político-regulatórias em formação e capacitação de agentes institucionais e no mercado. Nunca estivemos tão próximos de realizar a visão de "o país do futuro", por congregar as condições ideais para a confecção do energético que servirá para trazer para baixo o conteúdo de carbono de produtos intensivos em energia e emissões. Fontes de energia renovável e de carbono biogênico em abundância, sistema de rede interligado, complexos portuários com visão integrada à industrialização, instituições de fomento com experiência no financiamento da transição energética — açambarcam condições benfazejas para tal.

Porém, o H2V, certamente, não é a saída para todas as fontes de emissões de gases de efeito estufa, tampouco a solução exclusiva das mudanças climáticas. Mas ajuda muito. A solução, na verdade, perpassaria por uma miríade de tecnologias acopladas, desde que sua inserção na sociedade seja planejada. Na contramão do planejamento integrado e do papel relevante de cada solução para a transição energética, a disseminação de informações equivocadas ou antiquadas prejudica o diálogo com a sociedade e com o governo.

Para o avanço dessa nova indústria do H2V, muitas barreiras precisariam ser superadas no ambiente político, nos aspectos econômicos e comerciais, na infraestrutura e, sobretudo, no campo informacional. Assim, valem alguns destaques que importa serem considerados no debate para reduzir assimetrias na informação e gerar confiança na sociedade.

A ideia do uso da energia limpa apenas para recuperar a produção industrial brasileira é limitada. Isso porque a desindustrialização no país é explicada pela redução da participação da indústria no valor adicionado total, ocorrendo de forma prematura, uma vez que o nível de renda per capita é menor quando comparado a outros países que atravessaram esse processo e, ao mesmo tempo, não houve saltos em produtividade que sinalizassem maturidade na economia. A ausência de um processo de industrialização pode estar ligada à complexidade tributária, à baixa integração na economia global, aos gargalos na infraestrutura logística e digital, na formação profissional, além de encargos que elevam o custo da energia.

A indústria do hidrogênio verde a ser construída não tende a impactar o custo de energéticos e cadeias produtivas já estabelecidas, pois o H2V é voltado para produtos "verdes" de maior valor agregado, que possam fazer frente às novas exigências do mercado internacional, como o europeu Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), que sobretaxará produtos com alto teor de carbono. Mas não se trata de descarbonizar a Europa. O adensamento da cadeia produtiva nacional visa o atendimento ao mercado interno e a busca pelo retorno ao mercado de fertilizantes do país. Outrossim, há a possibilidade real de desenvolvimento de fornecedores, tecnologia e mão de obra.

A indústria do hidrogênio verde é sofisticada do ponto de vista técnico, de engenharia e de mão de obra, que contribuiria para diversificar e ampliar o valor agregado das exportações brasileiras: transborda o energético per se, constituindo-se insumo para o aço verde, o fertilizante de baixo carbono e eletrocombustíveis como amônia verde, e-metanol e SAF, processos de refino — enfim, produtos e processos de alto valor agregado.

O impacto de cada planta de H2V implica milhões de dólares para a economia. Segundo estudos da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV) e da LCA, essa nova indústria pode proporcionar R$ 7 trilhões, até 2050, em impactos diretos, indiretos e afetos no PIB nacional e gerar superavit fiscal de R$ 693 bilhões no mesmo período.

A visão limitada que uma suposta pressa para ocupar o posto de protagonista do H2V custaria caro ao Brasil, que não reconhece, na verdade, que os atrasos regulatórios têm custado mais caro. A vantagem de se antecipar significa coibir a dependência tecnológica no futuro e desenhar acordos de cooperação com outros países de modo a projetar a influência brasileira no cenário internacional. A dependência nas vantagens em recursos naturais preveniu, historicamente, o Brasil de formatar políticas e pacotes econômicos ambiciosos para desenvolver indústrias na vanguarda tecnológica. O H2V traz, por outro lado, a oportunidade de combinar os recursos naturais energéticos ao processo de industrialização, capaz de conduzir o país à nova ordem econômica mundial verde, preparando, hoje, a indústria do futuro.

FERNANDA DELGADO

Diretora-executiva da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIV)

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