A segurança pública tem ocupado, há muito tempo, os primeiros lugares na agenda dos principais problemas identificados pelos brasileiros. Não importa o matiz ideológico dos governos, a situação e a percepção de insegurança persistem. No mês passado, pesquisa do Instituto Datafolha mostrou que 39% dos brasileiros se sentem muito inseguros ao andar nas ruas de sua cidade depois de escurecer. Somados aos que se sentem mais ou menos inseguros, que são 26%, a percepção de insegurança atinge quase dois terços da população.
A preocupação com a violência é maior nas regiões metropolitanas (52% se sentem muito inseguros), entre os idosos (48%) e entre as mulheres (45%). A comparação feita pelo próprio Datafolha com pesquisas realizadas nos dois anos anteriores indica uma oscilação para cima na sensação de insegurança, mas os patamares já apareciam elevados.
Além dos números, o noticiário e os relatos que chegam das maiores cidades brasileiras são extremamente preocupantes. O sentimento por trás dessa forte sensação de insegurança tem um efeito colateral nefasto no funcionamento da sociedade. O medo passou a ser um companheiro inseparável e transbordou para o cotidiano dos brasileiros. Reage-se de maneira assustada diante de alguém que pede uma informação na rua. Evita-se entrar em caixas eletrônicos, foge-se dos mendigos, cobra-se das autoridades mais repressão e exige-se dos parlamentares a aprovação de leis mais rigorosas e punitivas.
As decisões políticas e muitas das nossas atitudes têm sido orientadas por medo. O próprio ato de votar é carregado de medo. O voto não é motivado por programas de governo, melhores propostas e pela esperança. É motivado por medo de que o candidato X ou Y vença. É difícil acreditar que uma sociedade movida pelo medo possa encontrar as melhores soluções para os seus problemas. Em vez de racionalidade e bom senso, a urgência do medo resulta em passionalidade e na construção de mais barreiras sociais.
Sensível a esse clamor social, o Congresso Nacional responde com a discussão e a aprovação de leis cada vez mais duras e repressivas. Isso é jogar para a torcida, fazendo de conta que o problema será resolvido. Esse caminho só vai gerar mais frustração e revolta. O país não precisa de mais leis nem de mais rigor na definição das penas. Há vários argumentos que comprovam isso.
De acordo com o estudo Onde Mora a Impunidade, elaborado pelo instituto Sou da Paz, apenas 35% dos homicídios praticados no Brasil são esclarecidos. Em sua sexta e mais recente edição, divulgada em dezembro de 2023, o estudo toma como base informações objetivas fornecidas pelos tribunais de Justiça e pelo Ministério Público dos estados. Essa taxa de elucidação é bastante inferior às registradas pela ONU em 2019: na Europa, 92% dos homicídios elucidados, nos Estados Unidos, 54%, e, no agregado de 72 países, 62% de taxa de esclarecimento.
Para além do baixo nível de solução dos casos criminais, temos um outro dado, naturalmente impreciso, mas preocupante, que corresponde ao número de crimes que ocorrem e que sequer são registrados, formando o que se costuma chamar de cifra oculta da criminalidade.
Enquanto apenas pouco mais de um terço dos homicídios é esclarecido, o país tem a terceira maior população carcerária do mundo, sendo oportuno lembrar que, segundo informação do CNJ, há mais de 340 mil mandados de prisão em aberto — ou seja, o sistema prisional não comportaria a demanda se todos os mandados fossem cumpridos.
Portanto, não adianta aprovar leis mais duras e prender mais, porque os crimes mais graves e traumáticos não estão sendo esclarecidos. Fica evidente que leis mais rigorosas e penas mais pesadas não vão mudar a atual situação de insegurança.
O problema é de outra natureza. É preciso melhorar os mecanismos de investigação, e a instrução processual deve ser mais cuidadosa e atenta a aspectos formais. Falhas nos inquéritos acabam por prejudicar as decisões judiciais. Para melhorar o resultado dos processos e dar mais efetividade aos julgamentos, é evidente a necessidade de aumentar o número de policiais, de técnicos forenses e de promotores, além da permanente requalificação profissional.
Os programas de segurança que deram certo no mundo também tiveram sustentação no uso da tecnologia e no estudo dos casos. A polícia tem de estar presente nos focos de criminalidade, sem deixar de lado a imprescindível presença da assistência social.
Realmente, não existem soluções mágicas. Com aprimoramento das investigações, melhor estruturação dos processos e inteligência no uso do aparelho repressivo, o país poderá assistir, em médio prazo, à redução dos índices de criminalidade, e os cidadãos se sentirão mais seguros para caminhar pelas ruas das cidades. Caminhar sem medo, confiantes nas instituições e com esperança no futuro.
*Cleber Lopes de Oliveira, Advogado criminalista, pós-graduado em direito público. Foi professor de direito penal e de processo penal
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