Jose Vicente Pimentel
É sem precedentes o ataque de drones e mísseis iranianos a Israel na noite de sábado. A escala do ataque e o fato de que os mais de 300 projéteis partiram de solo iraniano confirmam o ineditismo do episódio. Sem precedentes, mas não inesperado. As relações entre Israel e Irã estão em nível crítico há vários anos, e o receio de que a guerra em Gaza pudesse escalar para um conflito de grandes dimensões aumentou depois que o aiatolá Ali Khamenei responsabilizou Benjamin Netanyahu pelo bombardeio das instalações diplomáticas iranianas na capital da Síria em 1º de abril.
Os riscos à paz mundial são agora semelhantes aos gerados pela crise dos mísseis em Cuba, em outubro de 1962. John Kennedy e Nikita Kruschev foram capazes de desarmar aquele que foi o momento mais tenso da Guerra Fria, mas há controvérsias quanto à capacidade dos líderes atuais. No singular regime iraniano, o Khamenei é chefe de Estado vitalício e também a máxima autoridade política e religiosa do país, encarregado da segurança, defesa e política externa. Depende de Khamenei a gestão de um programa nuclear sofisticado e um estoque de urânio enriquecido que, segundo avaliações de peritos, poderia ser transformado em combustível para algumas bombas em espaço de dias. Israel tem o apoio da Otan, mas a liderança de Netanyahu é cada vez mais contestada, e seus próximos passos não são claramente previsíveis, a não ser que ele tentará de todas as formas se manter no poder.
Há uma tendência natural a imaginar que Netanyahu ganha uma sobrevida política em decorrência do ataque. Não há certezas, porém, nessa equação. Um dado a ter presente é que a parceria política com o atual governo israelense se torna cada vez mais incômoda, e os seus adversários em Telavive estão atentos a essa tendência. Desde ontem, o ex-primeiro-ministro Ehud Barak multiplica aparições na mídia internacional com declarações que minimizam os danos sofridos por Israel e realçam a excelência do apoio dos órgãos de inteligência americanos. Nas palavras de Barak, Israel venceu este round e precisa doravante definir com equilíbrio os seus interesses, e não tomar qualquer iniciativa impensada. Advertiu que Netanyahu continua atolado em Gaza, onde reféns israelenses continuam cativos, a fronteira com o Líbano permanece volátil e o perigo para a população é real.
Intensa mobilização diplomática reflete a dimensão da crise. A pedido do presidente Joe Biden, a presidência do G7 convocou uma reunião para ontem, a fim de "articular uma resposta diplomática e unida" das grandes potências. O Conselho de Segurança das Nações Unidas também se reuniu à tarde, enquanto os ministros das Relações Exteriores da União Europeia foram igualmente convocados para se manifestarem, no mesmo dia, sobre a situação. Imperscrutável, Netanyahu antecipou-se e marcou, de manhã, uma reunião do Gabinete de Guerra de Israel.
Num cenário de marcada internacionalização do problema do Oriente Médio, uma coincidência no interesse da China e dos Estados Unidos abre uma expectativa otimista. Xi Jinping estimulou a comunidade internacional, "especialmente os países influentes", a terem um papel construtivo para evitar o pior. A China é o país que pode conter o Irã, e Biden se beneficiaria disso. As conveniências da sua campanha à reeleição em novembro estão, até aqui, resguardadas. A defesa antiaérea israelense, criada e financiada pelos Estados Unidos, parece ter funcionado a contento, bloqueando de 90% a 99% dos projéteis disparados pelos iranianos, e, portanto, a solidariedade ao povo judeu e a importância da cooperação militar americana não podem ser contestadas. O perigo vem da hipótese, não desprezível, de uma nova retaliação israelense. Nesse sentido, o maior desafio de Biden seria conter Netanyahu. Em suma, será um período de intensa atividade político-diplomática, e só se pode esperar que o bom senso prevaleça.
Embaixador aposentado*