Artigo

Em 21 de abril, O Time de Deus entra em campo

Deus devia estar de bom humor quando juntou Juscelino Kubitschek, Israel Pinheiro, Lucio Costa e Oscar Niemeyer para criar Brasília

Pedro Jorge de Castro

Deus devia estar de bom humor quando juntou Juscelino Kubitschek, Israel Pinheiro, Lucio Costa e Oscar Niemeyer. Era assim que o nosso Darcy Ribeiro se referia ao que eu chamo de O Time de Deus. Deus escalou esse time, disse que eles podiam jogar como quisessem e se foi cuidar de outros povos menos vocacionados para o impossível.

Estamos entrando no período de Sol belíssimo no nascer e no entardecer, de Lua provocante e de brisa acalentadora passeando sobre Brasília, acariciando, sem despentear, suas árvores floridas e grandes. Há alguns dias, me peguei numa insônia e resolvi dar melhor destino a ela. Fui, ainda no escuro, lá pelas quatro horas da madrugada, para a Praça dos Três Poderes esperar o Sol nascer. Ele não se fez esperar muito e apareceu cumprindo uma marcação de cena perfeita e deslumbrante, tinha luz de contorno, luz-chave e até contraluz. E o único dono da cena, olhando com ternura para uma cidade limpa, cheia de curvas provocantes e sensuais que foi posta ali para lhe esperar.

Será que o Sol nascendo bem na Praça dos Três Poderes não foi obra da cumplicidade do Time de Deus com a natureza? Eu sei que o Dr. Lucio girou alguns graus a plantação no chão da cidade que ele inventou e acabou criando o espetáculo a que eu assisti.

À tarde, calado como Dr. Lucio, em homenagem ao seu estilo, voltei à Praça dos Três Poderes para o segundo ato: o crepúsculo à espera da Lua, que veio como uma mulher apaixonada, pondo-se de pé para aplaudir o Sol que acabara de se apresentar. Em Brasília, parece que os dois se olham e se cumprimentam, com paixão mútua, de longe. Dr. Lucio Costa é o homem que mandou no Sol, na Lua e no vento...

Depois do grande espetáculo em dois atos, que deixa todo mundo excitado, vem o vento, que, para os gregos, se confunde com a presença do criador, e, soprando leve, passa a mão na nossa cabeça como o gesto mais antigo de carinho, afago e acalento que o homem já conheceu.

Brasília é mais surpreendente do que a História das Mil e uma Noites, sempre haverá mais uma história para ser contada. Brasília nunca foi feita, ela foi criada e é recriada todos os dias. Criar é prerrogativa dos deuses, é tirar algo do nada. Enquanto fazer é somente articular elementos já existentes, é tarefa do homem. E Brasília é um primoroso arranjo original de elementos banais. Pedra, areia, tijolo, suor e o sonho que faz as vezes de cimento, juntando tudo.

Se somos vocacionados para o impossível, e O Time de Deus encontrou o futuro e o trouxe até nós, reduzindo o nosso tempo de espera, acreditamos que, nas casas, nas repartições, nas escolas, nas fábricas e nos quartéis, a sociedade feliz, sem diferenças, justa e solidária já está socialmente sonhada. Brasília, serena e afetuosa, é insubmissa aos atos que não têm compromissos com o destino altivo, soberano e democrático do povo brasileiro. Uma sociedade que não se reconhece na sua arte e nos seus espetáculos, que não tem autoestima, autoconfiança, falta saúde e educação, não tem futuro.

Criminalidade, pobreza, desagregação social e fome devem receber tratamento de coragem, honestidade e inteligência. Dr. Lucio, roteirista e diretor de tão belo filme que diariamente se projeta no céu de Brasília, espera que sejamos capazes de mandar no nosso destino soberano, sendo merecedor de educação, saúde, emprego, respeito, dignidade e esperança. O Time de Deus espera que entremos em cena e ocupemos nossos lugares numa sociedade que temos o direito de participar de sua construção. O Sol, a Lua e o vento não se envergonharão de nós.

Professor da UnB, pós-doutor pela Universitá degli Studi de Roma e primeiro cineasta de Brasília a ganhar o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro*

 

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