A complexidade do mundo atual requer a combinação de muito sangue-frio e bom senso das autoridades políticas, predicados cada vez mais escassos. Diante de uma polarização crescente, as ondas de turbulências têm minado a democracia e colocado em risco muitas das conquistas sociais obtidas a duras penas nas últimas duas décadas. A instabilidade é marcante, sobretudo na América Latina, em que direita e esquerda recorrem a excessos, minando a confiança do capital tão necessário para o crescimento econômico da região.
O sinal mais evidente da preocupação com os riscos políticos na América Latina veio do empresariado espanhol. Oito em cada 10 companhias que têm negócios na região apontam a possibilidade de implosão da democracia como a maior ameaça a ser enfrentada neste ano. A Espanha é a principal emissora de recursos para o grosso dos países latinos — no Brasil, em termos de estoque, fica atrás apenas dos Estados Unidos. As empresas ressaltam, ainda, que já faturam mais com as filiais latinas do que no país onde têm as suas sedes.
O sobressalto dos investidores é constante, quando deveria prevalecer a previsibilidade necessária para a ampliação das fábricas e dos empregos. O caso mais alarmante neste momento envolve o México, segunda economia latina, e o Equador. Por determinação do presidente equatoriano, Daniel Noboa, de extrema direita, policiais invadiram a sede da embaixada mexicana em Quito para prender um opositor político. Tal violação — um precedente gravíssimo — fere um acordo global de que o território diplomático é neutro. O temor é de que a porta tenha sido arrombada.
Na Venezuela, acreditava-se que o acordo fechado em Barbados, com o apoio do Brasil, seria uma garantia de eleições livres e confiáveis em 28 de julho próximo. Contudo, a realidade se impôs, e a ditadura comandada por Nicolás Maduro não só impediu que candidatos da oposição se registrassem para o pleito, como ampliou a perseguição a adversários, inclusive, com prisões, e expulsou do país funcionários da área de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Não satisfeito, Maduro editou um decreto criando o estado de Essequibo, reforçando a disputa pela região que pertence à Guiana e é riquíssima em petróleo.
O Brasil, onde a polarização política é mais acentuada, o temor é de que a ultradireita consiga voltar ao poder apoiada por uma fábrica de mentiras que sustenta pesados ataques às instituições democráticas. Há, entre os investidores, o reconhecimento de que o poder constituído conseguiu manter as rédeas ao conter os movimentos golpistas que atacaram o coração da República em 8 de janeiro de 2023. Mas a visão é de que a instabilidade no país é grande. Esse é também o pensamento em relação à Colômbia, em que o governo de Gustavo Petro perdeu a capacidade de negociação com a ala mais radical das Forças Armadas Revolucionárias, as Farcs.
No Peru, a presidente Dina Boluarte viu o seu apoio desabar depois de a casa dela ter sido alvo de buscas e apreensões por causa de uma coleção de relógios caríssimos, como Rolex, que ela diz serem todos emprestados. O Congresso já alimenta a possibilidade de um impeachment contra a política. Na Nicarágua, o ditador Daniel Ortega tem promovido uma caça a católicos e conduzido uma matança de opositores. Chile e Argentina, que estão em dois extremos dos espectros políticos, são grandes incógnitas e se debatem em meio a dificuldades econômicas.
O passado recente da América Latina, que sempre flertou com o autoritarismo, mais do que justifica as preocupações do capital estrangeiro, que vê enorme potencial econômico na região. A maior parte dos investidores ainda acredita que, apesar de todas as ameaças que rondam os países, a sociedade organizada terá condições de manter as rédeas sob controle e evitar que, mais uma vez, a fatura dos erros recaia sobre os mais pobres — sempre eles.