Pedro Campos*
Quem vive numa grande cidade e tem filhos em idade escolar não imagina que existem no Brasil 7.514 escolas nas quais mais de um milhão de alunos, professores e servidores não têm suprimento regular de água potável. Nessas escolas, as pessoas consomem água apanhada em cacimbas ou diretamente no leito de rios e barreiros, sem nenhum tratamento.
Conhece-se essa realidade dramática examinando os dados do Censo Escolar 2023, combinados com informações colhidas na base de dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS 2022). Constata-se que uma em cada 24 escolas do país submete sua comunidade ao dilema de escolher entre ficar com sede ou beber água imprópria para o consumo humano. Parte significativa dessas unidades está no Nordeste, região marcada pela irregularidade das chuvas, portanto, pelas secas periódicas. Somente nos estados da Bahia e do Maranhão somam 851 as escolas que não são abastecidas regularmente com água potável.
Mas que não se culpe o clima por essa situação. Existem escolas assim em todas as regiões do país, inclusive, no Sul (306 escolas) e no Sudeste (312). Aliás, é na Amazônia, por vezes às margens do rio mais caudaloso do mundo, que encontramos exatamente 3.539 escolas sem água potável — ou seja, quase metade das listadas no Censo.
Fica evidente que de modo algum a falta de água é o problema. A causa real é a ausência ou insuficiência das políticas públicas que o Estado brasileiro, em suas três esferas, tem obrigação de implementar. Já vimos que isso faz a diferença, lembrando que, no passado nem tão distante, as secas provocavam mortes por fome e sede, além do êxodo da população. Nas duas últimas décadas, a população, com o colchão protetor das políticas sociais, teve condições de conviver com dignidade com as secas recorrentes e inevitáveis.
Do mesmo modo, o escândalo das escolas sem água potável precisa chegar ao fim, e, para isso, é fundamental o comprometimento de todos — Estado e sociedade civil, Executivo e Legislativo. Como parlamentar e como nordestino, fiz do atendimento das necessidades das pessoas sem acesso à água a prioridade mais destacada do meu mandato. Desde o primeiro dia.
Na semana passada, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei n°5350/23, que amplia a distribuição de água pela Operação Carro-Pipa para áreas urbanas do semiárido brasileiro. Uma emenda que apresentei estende o abastecimento emergencial de água às escolas nordestinas desassistidas.
Além disso, fui o relator da PEC nº 6/2021, que inscreve, na Constituição Federal, o acesso à água potável entre os direitos e garantias fundamentais. Meu relatório foi aprovado na Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania (CCJC) em outubro do ano passado. Espero vê-lo aprovado pelo plenário o mais rapidamente possível.
Também relatei o projeto (PL 9543/18), que nacionaliza a tarifa social para as contas de água e esgoto, aprovado na Câmara e em tramitação no Senado. Temos tarifa social universal para energia elétrica desde 2002, atendendo mais de 12 milhões de famílias. Alguns estados — como Rio de Janeiro e São Paulo —, além do Distrito Federal, concedem benefício idêntico na conta d'água, e precisamos ampliar o acesso.
O texto fixa uma diretriz nacional para a tarifa social, com regras que padronizam esse tipo de política pública, definindo como é a implantação e quem são os beneficiários. No caso, são famílias inscritas no CadÚnico e que têm renda familiar de até meio salário mínimo por pessoa. Também beneficia quem recebe o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Nos estados em que há tarifa social de água, atualmente as agências reguladoras autorizam as companhias a cobrar um pouco mais caro de quem não está no CadÚnico para compensar a redução de receita com o desconto dado a pessoas de baixa renda. É o chamado subsídio cruzado. O problema é que o subsídio cruzado só é viável nos estados em que há mais consumidores de renda mais alta do que possíveis beneficiários da tarifa social — e temos aqui mais um indicador das desigualdades regionais brasileiras. Ou seja, é viável no Sudeste, mas não no Nordeste. O projeto que relatei estabelece, então, a criação de uma Conta de Universalização do Acesso à Água e ao Saneamento, de onde virão os recursos, repassados às companhias, do Orçamento da União, para garantir o subsídio direto e a tarifa reduzida para os mais pobres.
É importante frisar que o subsídio utilizado para garantir a universalização do acesso à água tratada resultará em benefício para toda a sociedade, pois, como sabemos, cada centavo aplicado em abastecimento de água e saneamento tem como resultados, além do benefício óbvio de melhorar o meio ambiente e salvar vidas, a redução dos gastos com os sistemas de saúde público e privado, custo que pesa para todos.
*Deputado federal (PSB-PE)