Carlos Faria*
Desde que o hidrogênio de baixas emissões passou a ser considerado uma alternativa técnica e economicamente viável para a redução das emissões de gases de efeito estufa, o mundo se voltou ao Brasil. A alta participação das fontes renováveis de energia na nossa matriz elétrica e o enorme potencial ainda não explorado de energia solar e eólica, entre outras, indicam que o país tem excelentes condições de fornecer o "ouro verde" para descarbonizar processos industriais, geração de energia elétrica e até mesmo transportes em países hoje maciçamente dependentes de combustíveis fósseis.
Não param de surgir novas evidências nessa direção. Uma das mais recentes foi estudo da BloombergNEF (BNEF) que indica que, até 2030, o Brasil poderá produzir o hidrogênio verde mais barato do mundo, ao custo de US$ 1,45 por quilo. Conforme a consultoria, o estudo considera os métodos mais competitivos de geração de hidrogênio verde de acordo com as características de cada país. Nesse sentido, no caso brasileiro a melhor alternativa seria a combinação da energia eólica terrestre com sistemas de eletrólise alcalina. O estudo também estipulou que o país vai "desbloquear seu potencial" nessa área com a instalação de 3,8 GW de projetos até 2030.
Em paralelo a esse otimismo em torno do recurso nacional, estados com boas condições para ampliar a oferta de energia limpa e relativamente próximos da Europa têm se dedicado ao desenvolvimento de projetos na área, atraindo investidores para todas as etapas da cadeia. Mas, por mais que garanta resultados de curto prazo nesses locais, essa pressa para ocupar o posto de protagonista do novo energético pode custar caro para o país!
A desindustrialização do Brasil não é de hoje. Além da redução na participação do PIB, nas últimas décadas observa-se uma diminuição na complexidade da nossa pauta de produtos. Ou seja, vendemos cada vez mais commodities de custo relativamente baixo e menos produtos de maior valor agregado, que proporcionariam melhores resultados para a balança comercial e geração de riquezas para o país.
O custo excessivo da energia está entre as principais razões desse fenômeno, uma vez que reduz a competitividade da nossa produção. Hoje, seguem na nossa frente no comércio internacional países que, embora muito menos beneficiados pela diversidade e pela qualidade dos nossos recursos energéticos, optam por priorizar aqueles setores que possuem em favor do seu próprio desenvolvimento, por meio, por exemplo, de políticas públicas voltadas ao setor produtivo.
Nesse contexto, o entusiasmo em torno da perspectiva de o Brasil se colocar entre os principais players da indústria global fornecedora de hidrogênio de baixas emissões será um novo golpe na nossa competitividade industrial. Afinal, a energia limpa e competitiva que o Brasil pode produzir tem de ser destinada justamente à recuperação da nossa produção, agora num outro patamar. Isso passa, inclusive, pelo uso desses recursos como fatores de atratividade de novos investimentos industriais, e não simplesmente para abastecerem fábricas em outros países.
As vantagens dessa alternativa iriam muito além da recuperação da produção doméstica: com um "selo verde", nossos produtos devem ter espaço entre os itens de maior valor agregado no comércio internacional, substituindo justamente aqueles que, caso nos limitemos à exportação do novo energético limpo, serão produzidos além-mar com o nosso hidrogênio.
*Diretor-presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace)