Opinião

Reduzindo desperdício alimentar

A redução do desperdício de alimentos não é apenas uma questão de responsabilidade individual. Exige mudanças sistêmicas e políticas públicas permanentes

O relatório do Índice de Desperdício Alimentar do Programa Mundial das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) de 2024 traz uma mensagem contundente e urgente: estamos desperdiçando uma quantidade alarmante de comida em todo o mundo. Publicado pela primeira vez em 2021, em sua nova versão, o relatório utiliza dados mais recentes e abrangentes para atualizar a escala do desperdício de alimentos em todo o mundo. Tem mais desperdício de alimentos do que pessoas passando fome!

Os dados de 2022 mostram que 1 bilhão de toneladas de alimentos foi desperdiçada. Cerca de um quinto dos alimentos disponíveis para os consumidores teve esse destino no varejo, nos serviços alimentares e pelas famílias. A maior parte do desperdício alimentar mundial provém dos agregados familiares, totalizando 631 milhões de toneladas — ou seja, até 60% do total. Os setores dos serviços alimentares e do comércio retalhista foram responsáveis por 290 e 131 milhões de toneladas, respectivamente. Em média, cada pessoa desperdiça 79kg de alimentos por ano, que equivalem a 1,3 refeição por dia para todas as pessoas no mundo afetadas pela fome.

Segundo o relatório, o desperdício não é apenas um problema dos "países ricos", e o maior fosso está nas variações entre as populações urbanas e rurais. Os que moram no campo desperdiçam menos, e isso pode estar relacionado à reciclagem de restos de comida para animais e à compostagem doméstica. Os países mais quentes registram maior desperdício per capita nos agregados familiares em função do consumo de alimentos frescos e da falta de refrigeração e locais adequados para a conservação.

O texto destaca também que só o desperdício de alimentos gera até 10% das emissões globais de gases com efeito de estufa — quase cinco vezes o total de emissões em comparação com o setor da aviação. Portanto, é essencial reduzir essas emissões que têm impacto na economia global, agravam as alterações climáticas e acarretam em perda de biodiversidade e poluição.

O compromisso dos países com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelece que devemos reduzir pela metade as perdas e o desperdício de alimentos até 2030. As perdas de alimentos dizem respeito às situações involuntárias que ocorrem na esfera da produção e distribuição e estão relacionadas aos problemas de acondicionamento, logística ou manuseio.

O desperdício de alimentos, por sua vez, ocorre de forma voluntária nos elos de comercialização, serviços de alimentação ou nos lares das pessoas. Nesse caso, a medição do desperdício exige uma metodologia mais acurada, pois temos que separar as partes comestíveis dos alimentos do que seria não aproveitado. Trata-se de uma questão multifacetada que leva a uma abordagem holística e coordenada, mas que, ao mesmo tempo, pode apresentar resultados imediatos quando enfrentada por ações de governo em parceria com a sociedade.

A redução do desperdício de alimentos não é apenas uma questão de responsabilidade individual. Exige mudanças sistêmicas e políticas públicas permanentes. Ações conjuntas de intervenção em áreas específicas e regulação provocam resultados imediatos na redução dos desperdícios. Bons exemplos podem ser encontrados na Europa, que pune os varejistas e industriais que descartam alimentos considerados bons para o consumo. Outras medidas são a inclusão de informações sobre a data de validade e formas de conservação, além de incentivar os Bancos de Alimentos e Colheitas Urbanas, equipamentos que "ligam" o alimento que está sendo desperdiçado aos indivíduos em situação de vulnerabilidade alimentar.

Para erradicar a fome até o final da década e alcançar o ODS 2 Fome Zero, é essencial reduzir desperdício de alimentos em todos os níveis, desde os esforços direcionados em áreas urbanas até a colaboração internacional entre países e ao longo das cadeias de abastecimento. É preciso trabalhar junto, em nível local e global, e criar sistemas alimentares mais saudáveis e sustentáveis para todos. Juntos, é possível transformar os sistemas alimentares e alcançar um mundo em que nenhuma pessoa passe fome, e todos tenham acesso a alimentos nutritivos e saudáveis.

Antes de terminar, um alerta: não vamos incorrer no autoengano de imaginar que, acabando com o desperdício de alimentos, vamos acabar com a fome no mundo. A fome, hoje, é um problema de acesso, não de falta de alimentos, fundamentalmente pela miséria de uma parte importante da população que tem rendimentos muito abaixo do mínimo necessário para garantir a sua sobrevivência. Em resumo: alimentos existem, mas os mais pobres não podem comprá-los! O caso brasileiro é o melhor exemplo disso!

 

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