MOZART NEVES RAMOS*
Um dos poucos livros que escrevi teve como título Sem educação não haverá futuro. Esse título foi inspirado numa história de jovens estudantes pernambucanos da época em que eu ocupava a função de secretário de Educação do estado de Pernambuco. Mas ele se aplica à realidade de qualquer país que deseje ser protagonista no atual cenário mundial, pois, sem pessoas bem formadas, é difícil falar em desenvolvimento sustentável. Para formar bem, é preciso oferecer uma educação de qualidade para essas pessoas, e isso passa, como ponto de partida, por lhes assegurar acesso, permanência, aprendizagem em cada etapa escolar e conclusão na idade certa. Naturalmente, cabe ao Estado, em colaboração com a sociedade, oferecer essa educação, conforme reza o Art. 205 da Constituição Federal (CF).
Essa tarefa não é simples. Não basta apenas ter dinheiro para o enfrentamento dessa oferta; é preciso usá-lo com eficiência e eficácia — ou seja, aplicar adequadamente o dinheiro público. Nesse contexto, os gestores públicos têm a seu favor a ciência e devem usá-la para tomar decisões que levem ao desenvolvimento integral de seus estudantes, preparando-os para o exercício da cidadania e para o mundo do trabalho — ainda de acordo com o Art. 205 da CF.
Tomar decisões com base em evidências e dados confiáveis será um diferencial nesse novo cenário fortemente impactado pela disrupção tecnológica. O país tem avançado nesse campo. Um dos exemplos foi a criação da Rede Nacional de Ciência para a Educação (Rede CpE), liderada pelo neurocientista Roberto Lent, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ), que, recentemente, escreveu um belíssimo artigo de opinião sobre o tema, intitulado Educação tem ciência, no jornal O Globo (1/3/2024).
Nessa linha, cabe também registrar uma importante iniciativa, fruto de uma parceria entre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) — iniciada na gestão do então governador João Dória e mantida pelo atual governador Tarcísio de Freitas (é importante manter a continuidade da política pública em educação) com o Programa de Pesquisa em Educação Básica (Proeduca) —, de chamada para propostas de pesquisas capazes de gerar evidências científicas e tecnológicas com potencial para subsidiar a gestão da educação pública, visando à melhora da aprendizagem escolar e à diminuição das desigualdades educacionais.
Tais esforços podem contribuir para que o investimento público em educação chegue lá na ponta e não se perca pelo meio do caminho. Estudos feitos pelo economista Ricardo Paes de Barros mostram que 59% da desigualdade educacional entre os municípios brasileiros se explicam pela ineficiência dos gastos públicos. O uso mais eficiente desses recursos vai ser decisivo para o enfrentamento da redução da desigualdade social em nosso país.
Um recente estudo, publicado em 18/3/2024 na Folha de S.Paulo, mostrou que quase metade dos alunos brasileiros não termina o ensino fundamental (EF) na idade certa, ou seja, aos 14 anos. O Brasil tem agora um indicador que mede a regularidade de trajetórias educacionais — por exemplo, ele nos mostrou que 69% dos estudantes de maior nível socioeconômico concluem o EF na idade certa, mas apenas 38% dos mais pobres conseguem terminar a etapa em nove anos. Mostrou também que 62% dos estudantes brancos terminam a etapa na idade certa, mas apenas 46% dos pardos, 41% dos pretos e 23% dos indígenas conseguem ter uma trajetória regular no EF.
Se quisermos ter uma nação que ofereça uma educação de qualidade para todos, como prevê a nossa Constituição, isso não se resolverá somente com mais dinheiro; será preciso tomar decisões mais assertivas, e, para isso, temos a ciência a nosso favor. Penso, por fim, que os gestores públicos deveriam seguir esse caminho e serem reconhecidos por esse posicionamento.
*Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP de Ribeirão Preto e professor emérito da Unversidade Federal de Pernambuco
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