Paridade de gênero

Cotas para garantir diversidade nos conselhos de administração

Chegou a hora de aprovar o PL das cotas para mulheres em conselhos de administração. Enquanto nos esforçamos para posicionar o Brasil na era da inteligência artificial, devemos fortalecer grupos diversificados para alcançar o sucesso globalmente

CAROL CONWAY e PATRÍCIA MARINS*  

A busca pela igualdade de gênero e diversidade nos altos escalões políticos e corporativos é uma jornada que desafia o mundo. Segundo o Fórum Econômico Mundial, alcançar a tão almejada paridade pode levar até 131 anos, apesar de reconhecermos os benefícios que a diversidade traz, como novos paradigmas, crescimento econômico e satisfação social. A Universidade de Wharton destaca, em seu curso de governança, que a presença feminina está associada a melhorias no desempenho a longo prazo, redução da volatilidade no mercado de ações e contribuições para questões ambientais, sociais e de governança (ESG). No entanto, apesar das inúmeras vantagens econômicas de grupos mais diversos, mudar a cultura vigente exige tempo, esforço e até mesmo inovações tecnológicas

É importante reconhecer os avanços conquistados. Entre 2019 e 2022, houve um aumento significativo de 169% na diversidade, equidade e inclusão nas contratações globais. Apesar disso, quando observamos os cargos de liderança, muitos ainda permanecem inacessíveis. No Brasil, embora a participação feminina como CEOs e em outras posições de liderança tenha aumentado de 13% para 17%, segundo pesquisa Talenses Group com o Insper, ainda é fato que 80% desses cargos estão nas mãos de homens, majoritariamente brancos.

O Brasil também se destaca negativamente na representação feminina nos conselhos de empresas latino-americanas, com apenas 25,3% das cadeiras ocupadas por mulheres. Países como Colômbia e Panamá têm 45% de representatividade feminina nesse tipo de conselho, segundo pesquisa do Banco Mundial. A deputada Tabata Amaral (PSB-SP) propôs um projeto de lei (PL 1.246/2021) para garantir maior diversidade nesses órgãos, buscando estabelecer 30% de cota, além de ampliar a inclusão de mulheres negras, lésbicas, bissexuais, transexuais, intersexuais e com deficiência.

Há poucos anos, encontrar mais de duas mulheres "a bordo" dos conselhos era uma raridade. Em 2019, o Women on Board (WOB) foi criado, em parceria com a ONU Mulheres e o Pacto Global da ONU, para dar um selo comprobatório da participação feminina em conselhos de empresas. À época, mais da metade das companhias brasileiras listadas na Bolsa de Valores não tinha nenhuma mulher nessa composição.

Hoje, esse número é um pouco mais expressivo, porém ainda muito preocupante. Em agosto de 2023, a B3 divulgou um estudo feito com 343 empresas listadas mostrando que, de cada 100 empresas com ações negociadas em Bolsa no país, 55 carecem de mulheres em cargos de diretoria estatutária, 36 não têm participação feminina entre os conselheiros de administração e 29 têm apenas uma mulher na diretoria. Para piorar, apenas 11% dessas empresas têm pelo menos uma pessoa negra na liderança.

Se olharmos os dados de companhias não listadas na Bolsa, que representam a maioria no Brasil, a situação é ainda mais preocupante: 67% não têm mulheres na liderança, e, pela ausência de obrigatoriedade legal (a adoção é voluntária), muitas vezes não existe uma estrutura de governança bem definida. Nas que têm, apenas 12% relatam a existência de conselhos "diversificados" (com duas mulheres, um conselheiro com menos de 40 anos, um membro que não pertence à família e outro de indústria diferente), segundo pesquisa da PWC com a FBN (Family Bussiness Network). Ou seja, se ainda se discute a importância da governança, o que dizer da diversidade?

A revolução da inteligência artificial traz desafios adicionais. Os vieses da IA estão postos e foram tema de debate no SXSW, o maior festival de tecnologia e inovação do mundo, realizado em março nos EUA. Entre as inúmeras palestras, a futurista Ammy Webb e a ativista doutora Joy Buolamwini mostraram dados concretos sobre o preconceito da IA contra grupos minorizados. Há mais de dois anos, as duas perguntam a diversos desses sistemas de IA sobre o perfil de líderes empresariais, e nenhum — frise-se, nenhum — aponta uma mulher ocupando postos de liderança ou de CEO. São sempre homens brancos e grisalhos.

Joy fundou o movimento Liga da Justiça Algoritma, para construir um mundo com uma IA mais equitativa e responsável. Ela constatou que "a construção dos algoritmos não considera gênero, raça e classe. Não reconhece minorias, principalmente mulheres negras".

É fundamental que a tecnologia seja uma aliada na busca pela equidade de gênero, e não uma barreira. Uma alternativa poderosa é a legislação. Chegou a hora de aprovar o PL das cotas para mulheres em conselhos de administração no Brasil.

Entre os pioneiros nesse caminho, a Noruega aprovou uma regra em 2004 que exige que 40% dos membros do conselho sejam mulheres. Em 2015, Espanha, França e Islândia determinaram uma quota de 30%. A Califórnia foi o primeiro e único estado dos EUA a estabelecer pelo menos três mulheres entre seis ou mais membros.

A luta pela equidade de gênero é uma pauta de todos, pois a diversidade é um catalisador de sucesso. Enquanto nos esforçamos para posicionar o Brasil na era da inteligência artificial, devemos fortalecer grupos diversificados para alcançar o sucesso globalmente. O Brasil tem a oportunidade de avançar com o projeto em discussão no Senado. Como disse William Ury, famoso negociador e professor de Harvard que também estava no SXSW, a diversidade é benéfica para todos, e juntos podemos construir um futuro mais igualitário e próspero. A pluralidade garante muito mais sucesso aos conselhos.

*Carol Conway é presidente da Associação Brasileira de Internet (Abranet). Patrícia Marins é sócia-fundadora da Oficina Consultoria de Reputação e Gestão de Relacionamento. Ambas são cofundadoras do Women on Board.

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