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Transição energética está no compasso da transmissão elétrica

Brasil contratou a construção de 17,1 mil quilômetros de novas linhas de transmissão que devem começar a ajudar a fluir a nova energia renovável a partir de 2028. Está atrasada, mas a caminho

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ARTHUR SOUSA*

Parece só um jogo de palavras, mas é muito mais do que isso. Trata-se da síntese de um desafio gigantesco que os governos e as empresas — focadas em mudar a fonte de suprimento de energia — estão enfrentando. A transição energética, que busca alternativas de baixo carbono, depende atualmente mais do que nunca dos investimentos maciços em transmissão de eletricidade no Brasil, principalmente dos projetos que viabilizem a transferência em escala da energia dos subsistemas Norte/Nordeste para os subsistemas Sudeste/Centro-Oeste. A má notícia: houve atraso no Brasil. A boa: enfim, há projetos chegando.

Esse não é um problema exclusivo do Brasil. Oitenta milhões de quilômetros de linhas de transmissão precisam ser construídas ou substituídas em todo o mundo até o ano de 2040, informa relatório recente da Agência Internacional de Energia (IAE, na sigla em inglês). De acordo com a análise feita pela agência, só assim o mundo dará conta de alcançar os objetivos da transição energética, essencial para ajudar a frear o aquecimento global, conforme alertam cientistas e a comunidade internacional.

A constatação da IAE é simples e é também igualmente verdadeira no Brasil: o crescimento da geração com fontes limpas não está sendo acompanhado pelo avanço da infraestrutura de transmissão. Logo, todo o esforço para disponibilizar fontes que possam substituir os combustíveis fósseis torna-se inócuo em razão de a energia renovável não encontrar fio suficiente para chegar onde deve e, assim, se tornar uma alternativa viável para a substituição das fontes fósseis.

Ao mesmo tempo em que as fontes renováveis (eólica e solar) ganham relevância na matriz elétrica brasileira, reafirmando e consolidando o Brasil como exemplo mundial em geração de energia a partir de fontes limpas, o país corre para ajustar sua rede de transmissão e distribuição. Desde junho de 2023, o Brasil organizou três grandes leilões de transmissão que tiveram enorme interesse por parte de diversas companhias. Basta dizer que, nos três certames, o setor elétrico brasileiro conseguiu conceder em novas linhas de transmissão o equivalente a 10% de toda a malha existente atualmente.

Nos leilões realizados em junho e dezembro de 2023 e em abril de 2024, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) concedeu projetos para 17.119 quilômetros de novas linhas, cuja função básica será permitir que, quando prontas, haja o escoamento da energia gerada em Minas Gerais e em todo o Nordeste para os subsistemas Sudeste/Centro-Oeste.

São R$ 54,9 bilhões em investimentos, geração de mais de 100 mil empregos e uma capacidade de transformação total de energia para alta tensão de 19.440 MVA (megavolt-ampere), estrutura fundamental para viabilizar a transferência de grandes blocos de energia da fonte de geração para regiões milhares de quilômetro distantes. Algo fundamental se considerarmos as dimensões geográficas do Brasil e o complexo e gigantesco Sistema Interligado Nacional (SIN).

Os resultados positivos dos leilões coordenados pela Aneel também se refletiram nos elevados deságios alcançados em todas as ofertas. No total, juntando os três leilões, o Brasil ofereceu ao mercado 27 projetos de linhas de transmissão. Todos foram arrematados, e os deságios sobre a Receita Anual Permitida (RAP) superam os 40%, alcançando mais de 50% (na média) no primeiro leilão. Isso significa que os consumidores brasileiros terão uma economia com essa nova infraestrutura, ao longo dos próximos 30 anos, de R$ 122,9 bilhões, em relação ao preço original levado ao certame.

Se o Brasil já se converteu em uma referência na geração de energia limpa, é justo pontuar que o país também está buscando se ajustar na infraestrutura de transmissão dessa nova energia, tão essencial para a transição energética, sem a qual todo o esforço rumo ao aprimoramento da matriz elétrica nacional resultaria inócuo, dada a impossibilidade de viabilizar a fluidez pelo Sistema Interligado Nacional dessa energia nova e limpa.

O país demorou um pouco a pôr em marcha um plano de atualização da infraestrutura de transmissão, o que exigirá agora um pouco de paciência para ver as linhas concedidas nos últimos três leilões funcionando. Isso deverá começar a ocorrer entre 2028 e 2030. Teremos de conviver com esse gap. O avanço da transição energética depende também da transmissão, que está contratada. Atrasou, mas há uma solução a caminho e um horizonte para o avanço da transição energética no Brasil.

*Membro do Movimento Empresarial pela Inovação da CNI e conselheiro do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA)

 

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postado em 25/04/2024 06:00
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