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Lei de cotas no serviço público: aprimorar para avançar

A oposição à política conseguiu eliminar do relatório a reserva de metade das vagas para mulheres entre os candidatos negros. Também reduziu de 25 para 10 anos o prazo de validade da nova legislação

A Lei de Cotas foi instituída em 2014 e tem vigência programada para dez anos -  (crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
A Lei de Cotas foi instituída em 2014 e tem vigência programada para dez anos - (crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

JESSIKA MOREIRA* 

Após extensa discussão no Senado, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) pautou na última quarta-feira o Projeto de Lei 1.958/2021, que visa renovar e aprimorar a Lei de Cotas no Serviço Público (12.990/2014). Contudo, a votação do projeto foi interrompida por um pedido de vista coletivo.
A oposição à política conseguiu eliminar do relatório a reserva de metade das vagas para mulheres entre os candidatos negros. Também reduziu de 25 para 10 anos o prazo de validade da nova legislação. Agora, contesta o uso do termo “negro”, preferindo “mestiço” ou “pardo”. Essas alterações sugerem uma tentativa por parte do Congresso de impedir avanços considerados essenciais para a melhoria do serviço público no Brasil.

Além disso, negam uma demanda da sociedade. Segundo pesquisa do Datafolha, realizada a pedido do Movimento Pessoas à Frente, 82% dos entrevistados concordam que maior diversidade racial melhoraria o serviço público. E 71% dos brasileiros afirmam que teriam mais confiança nos ocupantes de cargos importantes do poder público se esses fossem mais representativos da população.

A diversidade, a equidade e a representatividade são valores indispensáveis para fortalecer o Estado brasileiro e impulsionar transformações positivas para o país. Além de que, evidências no Brasil e ao redor do mundo apontam que a burocracia representativa é uma ferramenta importante para fortalecer a democracia e aprimorar a qualidade das políticas públicas.

Agora é a hora de a classe política mostrar compromisso com essa agenda e fazer com que a política avance, assegurando um Estado, genuinamente, reconhecido por sua população. Essa lei, que responde a uma demanda histórica por ações afirmativas que mitiguem as desigualdades estabelecidas pela perpetuação do racismo em nossa sociedade, enfrentou diversos desafios ao longo dos seus 10 anos de aplicação, e o aprimoramento do texto neste momento de renovação será crucial para superar as fraudes e dificuldades já evidenciadas por pesquisas.

Apesar da lamentável exclusão do ponto que previa maior equidade de gênero na lei, garantindo que metade das pessoas negras selecionadas fossem mulheres negras, ainda existem aspectos primordiais de aprimoramento da política atual no Projeto de Lei. A primeira e mais significativa atualização é o aumento de 20 para 30% na reserva de vagas para pretos e pardos, bem como sua extensão para processos de seleção simplificados para contratação por tempo determinado. A última versão do texto estende este percentual também para indígenas e quilombolas.

Outro avanço reside no mecanismo para evitar a fragmentação de vagas nos editais, uma forma vil de burlar as cotas, com a redução de três para dois no número mínimo de vagas por concurso para que a lei seja aplicada. Por fim, não podemos deixar de mencionar as novas ferramentas de transparência e monitoramento a serem implementadas pelos órgãos do Poder Executivo.

Diante de todos esses avanços importantes, é crucial que o texto seja votado como está, sem acatar emendas que tirem os avanços citados acima. Esse é o momento para o poder público impedir a descontinuidade de iniciativas que realmente atendam aos anseios da população. É a hora de mostrar sua robustez ao renovar e aprimorar políticas públicas efetivas e inclusivas, que estabeleçam uma burocracia realmente representativa da sua população.

*Diretora executiva do Movimento Pessoas à Frente, professora nas áreas de Inovação e Gestão Pública

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postado em 23/04/2024 06:00
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