Eu cheguei a Brasília em 1975, quando a cidade tinha apenas 15 anos. Ela era uma adolescente, jovem e bonita. Deixava-se descobrir pelos brasileiros e pelo mundo, perplexos com a reinvenção do conceito de cidade e com a arquitetura moderna que tinha aqui o seu berço. E mais: com a miscigenação que dava forma ao encontro das nossas diversidades culturais e com uma nova formação do povo brasileiro.
Brasília tinha então 900 mil habitantes. Estava ainda na placenta de sua história. E já se apresentava para ser o polo principal da interiorização do nosso desenvolvimento.
Tive o privilégio de morar em casa de madeira na Vila Planalto, de conhecer o presidente Juscelino Kubitschek e de ser amigo de muitos pioneiros, como Ernesto Silva, Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Carlos Murilo, Ildeu de Oliveira, Dona Sarah, Affonso Heliodoro, Marcia Kubitschek, Ari Cunha e Edilson Cid Varela. Também de alguns que ainda convivem conosco, como Osório Adriano, Gilberto Salomão, Hely Valter Couto e do ex-presidente José Sarney.
Como engenheiro, tive a grande oportunidade de trabalhar na conclusão do Teatro Nacional, do Centro de Convenções, do Hran, construir o Hospital de Ceilândia e o Hospital de Apoio. Mais tarde, de construir o metrô, o Noroeste, o Mangueiral e Águas Claras. Todas essas vivências foram se incorporando na defesa que sempre faço da cidade e no meu amor por Brasília.
Hoje, Brasília, aos 64 anos, é uma jovem senhora, bela ainda, mas já apresenta algumas dores e fragilidades próprias da idade. Isso me faz lembrar uma carta que recebi, em 2007, do arquiteto Oscar Niemeyer, quando eu era governador. Ele me dizia: "O problema principal que enfrentamos em Brasília é lutar para que essa capital não continue tão dividida em duas: de um lado, os mais afortunados, e, do outro, 3 milhões de brasileiros abandonados".
Neimeyer lembrava, ainda, de um artigo que tinha escrito para o Correio Braziliense em que defendia a abertura de grandes avenidas e a construção de prédios com uma boa arquitetura para o desenvolvimento sociocultural de todas as regiões do DF. Foi daí que surgiu a ideia do Centro Administrativo que está pronto, mas ainda não ocupado, e, certamente, exercerá também essa função de inverter o fluxo de pessoas e valorizar o centro de Taguatinga, Ceilândia e Samambaia.
A nossa realidade atual é que Brasília tem 3,7 milhões de pessoas, é a terceira maior cidade brasileira. A salvação de Brasília está, hoje, nas cidades-dormitórios de seu entorno, onde vivem outros 2 milhões de pessoas que são dependentes do nosso transporte e dos nossos serviços públicos, principalmente os de saúde.
Brasília exige, agora, um olhar mais abrangente sobre seu espaço urbano e sobre o seu futuro. Primeiro, é preciso tirar do papel as novas linhas de metrô, para Gama, Santa Maria, Novo Gama, Valparaiso, Cidade Ocidental e Luziânia. Não na linha férrea existente, que tem um traçado curvo, bitola de um metro imprópria para transporte rápido eletrificado que leva nada a lugar nenhum.
Falo de um VLT pelo canteiro central da BR 040 que, realmente, resolva o transporte coletivo para a saída sul. Há que se construir também as linhas do Recanto das Emas e Riacho Fundo. Também, do Sol Nascente e, importante, a saída norte. São investimentos fundamentais que dariam condições de um crescimento mais organizado da capital.
Uma outra questão para preservar a área tombada tal como foi concebida é proibir as ocupações desordenadas de grileiros que comprometem o nosso planejamento urbano. Em paralelo, há que se ampliar o esforço de urbanização das áreas carentes e fazê-lo com planejamento, com largas avenidas, possibilidades de áreas lindeiras adequadas para o crescimento vertical. É o caso da Interbairros, um projeto do Jaime Lerner que deixei pronto e que ligaria Samambaia, Taguatinga Sul, Arniqueiras e Águas Claras até o Guará e o Plano Piloto, exatamente onde hoje tem a linha de Furnas. Para isso, a linha deve ser rebaixada e construída subterrânea.
Existem outros grandes desafios, como preparar a cidade para ser um polo de alta tecnologia, fomentar o turismo cívico, voltar com as escolas de educação integral e, como queria Niemeyer, dar mais qualidade de vida às áreas periféricas, para acabar com essa dicotomia entre a cidade nova e moderna e as áreas em que se repetem os erros das outras grandes cidades brasileiras.
Depois que JK construiu Brasília em apenas três anos, ou 1.119 dias, deveria ser proibido pensar pequeno. Nossa cidade foi o símbolo da reinvenção do Brasil. Certamente, outras pessoas que fazem parte da nossa história e trabalham por Brasília podem incorporar novas ideias para que possamos sonhar com o aniversário de 100 anos de Brasília, em 2060. Sempre sonhando com uma cidade organizada, toda cortada por linhas de metrô, rígida no uso e na ocupação do solo, com empregos inteligentes, cumprindo não apenas a sua missão de capital do país e de polo de interiorização de desenvolvimento, mas também de uma cidade exemplar na qualidade de vida de seus habitantes e nas políticas públicas urbanas.
Que Brasília seja exemplo para as outras cidades brasileiras. É pensando no nosso futuro e, de certa forma, provocando as gerações mais jovens, que registro aqui o meu parabéns, Brasília!
*José Roberto Arruda, Ex-governador do Distrito Federal
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