Angélica Petian
O novo marco legal do saneamento (Lei nº 14.026/2020) é um texto moderno e avança muito no enfrentamento de questões importantes para a sociedade brasileira. Para além da universalização do acesso à água potável e ao tratamento de esgoto, traz a possibilidade de gestão regionalizada de diversos serviços públicos de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. No último dia 19 de março, a Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA) editou norma de referência específica para essas atividades, que integram o guarda-chuva do saneamento básico.
A resolução dispõe sobre as condições gerais para a prestação direta, ou por meio de concessão dos serviços públicos, e cuida especialmente da prestação regionalizada. A norma traz um avanço para essa questão da gestão regionalizada porque conceitua a concessão de serviços públicos como a delegação da prestação feita pelo titular ou por estrutura de prestação regionalizada, que exerça a titularidade da pessoa jurídica e demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco, e por prazo determinado.
A agência reguladora esclarece que o manejo de resíduos sólidos é composto pelas seguintes atividades: coleta; transbordo; transporte; triagem, para fins de reutilização ou reciclagem; tratamento e destinação final. Esse manejo poderá ter sua titularidade exercida por entidade regional, que prestará os serviços direta ou indiretamente — nesse caso, mediante licitação. E a execução dessas atividades não precisa ser feita por um único prestador.
São múltiplos os arranjos possíveis. Vários municípios de uma mesma região poderiam manter, por exemplo, a coleta, o transbordo e o transporte como serviços municipais, prestando-os diretamente, cada qual com seus recursos humanos e materiais próprios, ou indiretamente, por meio de contratos administrativos de prestação de serviço continuado. Esses mesmos municípios poderiam, aderindo à estrutura regionalizada, prestar os serviços de triagem, tratamento e destinação final de forma conjunta, unindo esforços para as etapas que demandam maior investimento, cuja escala se apresenta como fator decisivo na atratividade do setor privado.
Tanto é assim que o Decreto 10.923/2022 atribuiu aos estados a competência para incentivar a regionalização dos serviços de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, por reconhecer a baixa capacidade institucional de muitos municípios. Esse incentivo se dará por meio de consórcios públicos e arranjos de prestação regionalizada, desde que atendam a mais de uma cidade e tenham foco na destinação final e ambientalmente adequada de resíduos. Como destinação final, o documento é amplo e aponta várias possibilidades, como a reutilização, a reciclagem, a recuperação energética, o descarte em aterros sanitários ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes.
Importante lembrar que o novo marco legal do saneamento impôs aos municípios o dever de cobrar pela prestação dos serviços, mediante taxa ou tarifa. A lei é expressa no sentido de que a ausência de proposição de instrumento de cobrança pelo serviço em questão configura renúncia de receita pelo ente, implicando perda de benefícios fiscais do governo federal em várias áreas, além de consequências para o gestor público.
Vários municípios incluíram a cobrança das taxas nos lançamentos tributários do IPTU. No entanto, pouquíssimos estão se organizando para implementar melhorias nos serviços e garantir a destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos urbanos.
O exame dos atos normativos demonstra que há ferramentas suficientes para o enfrentamento do problema que é comum a várias cidades e que acarreta severas consequências ambientais e de saúde pública. O legislador e a entidade reguladora nacional estão cumprindo sua missão. É hora de o Executivo agir e tirar do papel as ações previstas nos planos municipais e regionais de saneamento.
Os estados-membros devem ter um papel importante nesse segmento, de atuar como eixo institucional, assumindo o protagonismo para o tratamento regional do tema que poderá gerar ganho de escala e, consequentemente, atrair mais a iniciativa privada que, por sua vez, poderá aportar novas tecnologias e entregar um serviço mais eficiente à população.
Advogada e pós-doutora em direito pela USP*
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