GERSON BRISOLA*
Pontos cardeais são pontos de referência estabelecidos para a orientação na superfície terrestre. São quatro: norte, sul, leste e oeste, e servem para a localização de objetos, pessoas e lugares, que podem variar desde uma rua, um bairro, uma cidade até países e continentes. O ponto sul também configura uma região historicamente afetada pela chaga do racismo em pelo menos três países: Brasil, Estados Unidos e África do Sul. Afinal, o que é que esse "Sul" tem?
Cronologicamente, os Estados Unidos são os pioneiros entre os racistas. O processo de colonização não foi pacífico, uma vez que já havia habitantes nesses territórios: os povos indígenas. O embate entre povos nativos e colonos europeus resultou em diversas guerras em decorrência da expansão para o oeste, que teve início após as Treze Colônias, constituídas na costa leste, revoltarem-se contra a Grã-Bretanha e proclamarem a sua independência em 1776.
Essas colônias tiveram um desenvolvimento diferente entre si. Enquanto no norte predominou o modelo de pequena propriedade privada com mão de obra assalariada, propiciando a emergência de indústrias, no sul a predominância foi de grandes fazendas com monocultura e a utilização do trabalho escravo de negros africanos.
As tensões entre as duas regiões se tornaram crescentes até eclodir a Guerra Civil Americana (1861-1865). O presidente Abraham Lincoln assinou a libertação de todos os escravos dos estados americanos. Porém, como os brancos sulistas não se viam como iguais aos negros libertos, eles não queriam partilhar dos mesmos direitos políticos. Começaram a emergir movimentos racistas nos estados do sul, como a Ku Klux Klan, do Tennessee, um grupo de fanáticos que cometiam diversos crimes contra os negros e que voltaria a se manifestar no século 20.
Os estados sulistas promulgaram leis segregacionistas (envolviam, inclusive, a proibição do casamento interracial) que duraram por quase um século e só foram revogadas devido aos movimentos sociais pela igualdade civil das décadas de 1950 e 1960, liderados por Martin Luther King Jr. (1929 - 1968).
Já na África do Sul, esteve em voga, por mais de quatro décadas (1948-1994), o apartheid (palavra cujo significado é separação): um regime político de extrema-direita que se baseou no estabelecimento de leis que promoveram uma série de privilégios para a parcela branca da população.
O apartheid fez com que a população negra vivesse em locais segregados, impedindo sua circulação e visitação a determinados espaços, e sofresse todo tipo de repressão e violência policial por parte do governo sul-africano. O acesso à educação, à saúde, ao voto e oportunidades de crescimento da população negra também ficaram restritos ao longo dos anos.
O regime segregacionista fez com que a África do Sul sofresse uma forte pressão internacional, sendo alvo de sanções econômicas por parte das Nações Unidas. Movimentos de resistência se formaram, e uma das lideranças foi Nelson Mandela (1918 - 2013). O apartheid foi encerrado oficialmente em 1994, quando eleições democráticas aconteceram no país.
Já o Brasil foi o maior território escravista do hemisfério ocidental e o último a abolir a escravidão (1888). Entre 1501 e 1870, mais de 12,5 milhões de africanos foram raptados, vendidos como escravos e transportados para o continente americano. As condições precárias de saúde, higiene e alimentação, as jornadas exaustivas e os cruéis castigos físicos a que eram submetidos restringiram a expectativa de vida dos escravizados a uma média de 25 anos.
Esse contexto histórico resulta em dificuldades no combate ao racismo. Segundo especialistas, a Região Sul brasileira sempre reproduziu o discurso de que não tem nenhuma ou pouca presença negra, o que resulta em falhas na aplicação de políticas públicas. Em 2019, por exemplo, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelou que o Rio Grande do Sul foi o líder do país em casos de racismo: 4.132. Considerando só os casos de injúria racial, Santa Catarina ficou em segundo lugar, com 2.408 registros, atrás apenas do Pará.
A Região Sul é a que tem o maior percentual de população branca no país. Casos como o do "Homem Errado", o de João Alberto, a injúria racial sofrida pelo goleiro Aranha e o recente episódio envolvendo o músico Seu Jorge em um clube social de elite em Porto Alegre revelam que o racismo é um traço do país, mas a branquitude se solidifica muito no Sul.
*Jornalista com atuação em meios de comunicação, educação corporativa e assessoria na imprensa gaúcha
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