Bartolomeu Rodrigues*
Todo bom e sábio manual de guerra (ou de paz, depende do ponto de vista), de Clausewitz a Sun Tzu, preconiza que antes de se atirar no campo batalha convém conhecer, se possível, as entranhas do inimigo. Na medicina, não é diferente — os aguerridos infectologistas, virologistas e agentes de saúde sabem muito bem que é ao mosquito a quem estou me referindo.
Que, diga-se de passagem, está deixando de ser exclusividade dos trópicos e começa a se alastrar em terras do Hemisfério Norte, com Itália, Espanha, França e (pasmem!) o gélido Reino Unido relatando casos de dengue e suas terríveis comparsas zika e chikungunya. Transmitidas pelo Aedes albopictus, uma espécie de primo rico do Aedes aegypti. Poder-se-ia imaginar que o aegypti, assim como o coronavírus, pegou carona de avião; mas não: ao que tudo indica, o albopictus parece ter acordado de um longo sono pelo calor de verões a cada ano mais abrasivos.
O aquecimento global há muito pulou do vocabulário de ecologistas empedernidos para a agenda de preocupação de chefes de Estado em todo o mundo, pois se não a curto, mas a médio prazo, vai impactar na produção de alimentos, nas balanças comerciais etc. e tal. Isso, porém, é assunto que demanda um espaço maior do que este e pode ser comentado em outra oportunidade.
Na seminal obra Armas, Germes e Aço (12ª Ed., páginas 67, 68) o historiador Jared Diamond nos dá uma impressionante explicação para o imperador inca Ataualpa e seu exército de 80 mil bravos guerreiros não terem capturado o rei Carlos I da Espanha nas montanhas peruanas de Cajamarca, em 1532. Não o rei em pessoa, óbvio, mas representado por Francisco Pizarro à frente de uma tropa de 160 soldados esfarrapados e sifilíticos. Porque não foram as lanças, os canhões e os mosquetes (as mais avançadas armas da época) os elementos decisivos para a conquista do Novo Mundo, mas os germes invisíveis, as epidemias desconhecidas entranhadas nas narinas, suores e roupas dos capitães e marujos.
Nas guerras insanas travadas ao redor do mundo nos últimos quatro anos, o Homo sapiens (nós), com todo o arsenal de destruição que vai da pistola, passando pelo míssil hipersônico, tanques, caças, destróiers e porta-aviões, matou 580 mil membros da própria espécie. O mosquito, 830 mil pessoas (levantamento do cientista político Timothy Winegard, tradução de Leonardo Alves). Desde 2000, a média anual de mortes de humanos no planeta chega à estonteante cifra de 2 milhões. Sem levar em conta que nada mais do que mosquitos estão por trás das mortes de Alexandre, o Grande, e de Gêngis Khan, bem como da queda de impérios como o Romano e o Mongol.
À exceção da Antártida, Islândia, Seychelles e microilhas da Polinésia Francesa, não há pedaço de terra imune à invasão de um exército de (pare por um instante a leitura silenciosa e tente dizer em voz alta o número a seguir) 110.000.000.000.000 de zumbidores loucos por sangue. Hoje, a população mundial de humanos oscila nos 8 bilhões, que, apesar de causar estragos imperdoáveis ao planeta, está em franca desvantagem. Sim, você leu certo: o inimigo é estimado, por baixo, em 110 trilhões.
Agora, só para atiçar mais ainda a sua curiosidade, o mosquito é, de longe, a maior causa mortis da história desde que o homem pulou do continente africano. Essa dispersão é relativamente nova em termos geológicos (uns 60 mil anos), mas nossa espécie sapiens está por aí há uns 200 mil anos pelo menos. A ciência estima em 108 bilhões o número de sapiens desde então. Sendo assim, ao menos 52 bilhões foram aniquilados por doenças transmitidas por esses minúsculos, embora nada desprezíveis, assassinos.
O pior dessa história é que a ideia inicial para a eliminação do mosquito, como no grande esforço para a construção do Canal do Panamá (inaugurado em 1914, após uma década de luta sem trégua contra a malária), dá-se no campo em que ele age como oportunista: a degradação ambiental. É o dilema do uso sistemático de inseticidas e outros tóxicos.
Então, será a vacina nossa última trincheira? A resposta a essa pergunta vale milhões, e embora sejam alvissareiros os resultados obtidos até agora (um público limitado, inicialmente), ainda temos de conviver com um inimigo a não ser subestimado. Enquanto isso, trabalhando em silêncio na Farmácia Viva, unidade em Planaltina vinculada à Secretaria de Saúde, os técnicos parecem ter chegado a uma solução engenhosa (e barata) de produção de um repelente à base de fitoterápicos. Resta saber a capacidade de produção em escala e, quem sabe, o DF poderá produzir o seu próprio escudo protetor — no momento, o mais eficaz preventivo, tão emblemático como foi o álcool em gel na pandemia da covid.
Jornalista