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Cerrado: destruição legalizada e incentivada

A continuar nesse ritmo, com tanto incentivo e a legalidade no desmatamento, em menos de cinco décadas só restarão as unidades de conservação e demais áreas protegidas

Recentemente, participei, como conselheiro representante das entidades da sociedade civil da região Centro-Oeste, da 141ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que teve entre seus pontos de pauta uma apresentação do secretário extraordinário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do MMA, André Lima, sobre a dinâmica atual de desmatamento do Cerrado.

Em resumo, foi colocado sobre o que está acontecendo no Cerrado, com aumentos significativos do desmatamento, ano após ano, e que, em geral, isso acontece dentro da lei, tendo em vista que o avanço da fronteira agrícola pode se dar desde que se respeite o limite de desmatar até 80% da propriedade e se mantenha as áreas de preservação permanente (nascentes, beiras de rios, áreas com declives acentuados etc.), conforme prevê o novo Código Florestal. Os estados são os responsáveis pelas autorizações de desmatamento — supressão da vegetação — ASV.

As autorizações são concedidas caso a caso e não há uma estratégia de análise do impacto global no território, com vistas a um planejamento da paisagem. Inclusive, há especulação para valorizar o preço da terra, com grandes áreas ainda não desmatadas, mas que já possuem ASVs. Alertei para o fato de que, além dessa facilidade e da legalidade do desmatamento, há inúmeros incentivos fiscais relacionados com a cadeia produtiva das commodities agropecuárias (soja, carne bovina, algodão, cana-de-açúcar etc.), tendo como um dos principais argumentos para esses incentivos, a segurança alimentar do povo brasileiro.

Dessa forma, as alíquotas dos impostos cobrados (ICMS, Imposto de Importação, PIS/Cofins, IPI) para aquisição/importação de insumos agrícolas, como agrotóxicos, adubos, sementes, ração, maquinários, entre outros, são próximas de zero ou simplesmente zero. Ou seja, a contribuição do setor agropecuário em termos de arrecadação pelo tesouro nacional e pelos estados é insignificante.

São deixados de arrecadar anualmente bilhões de reais que poderiam ajudar no desenvolvimento do país. Um estudo divulgado pela Fapespa, a Fundação Amazônia de Amparo aos Estudos e Pesquisas, aponta que, de 1997 a 2016, os estados brasileiros deixaram de arrecadar R$ 269 bilhões devido a isenções fiscais ao agronegócio e à mineração.

Destaco o caso absurdo dos agrotóxicos, muitos dos quais banidos em países desenvolvidos, mas ainda utilizados no Brasil, ou seja, importamos veneno que ninguém quer, com preços subsidiados, prejudicamos nossa saúde e contaminamos nosso meio ambiente, tudo dentro da lei. Além disso, ainda na linha de incentivos à agropecuária, destaca-se o financiamento da produção concedido anualmente pelos Planos Safras, do governo federal, com juros subsidiados.

Caso haja algum fato que leve a perdas na safra, causadas por exemplo por falta de chuva (em função do desmatamento), logo é iniciado um movimento para o perdão das dívidas e/ou rediscussão dos prazos de quitação, acesso facilitado à capital de giro etc., como está se desenhando na safra de 2023/2024. Chega-se à conclusão de que o agronegócio no Brasil é talvez o investimento mais seguro e rentável que temos.

Com isso, o Brasil se consolida como uma economia primária e exportadora, com baixíssimo valor agregado, situação que se perpetua desde os tempos de colônia, inclusive desestimulando outros setores da economia, como a indústria moderna e limpa, inviabilizando o desenvolvimento do País em bases sustentáveis. Todo este ambiente de incentivos ao agronegócio e de legalidade do desmatamento está acarretando a destruição do Cerrado em tempo recorde. Em apenas 50 anos, cerca de 50% do Cerrado já foi destruído.

A continuar nesse ritmo, com tanto incentivo e a legalidade no desmatamento, em menos de cinco décadas só restarão as unidades de conservação e demais áreas protegidas, como as terras indígenas e de quilombolas, para contar a história. Com a destruição do Cerrado, ocasionada pelo agronegócio, perdemos biodiversidade e recursos hídricos, aumenta-se o efeito estufa e contamina-se o meio ambiente. Além disso, prejudicase a saúde humana e, apesar da justificativa da segurança alimentar relacionada com os incentivos, mantém o Brasil no mapa da fome, já que a maior parte do que se produz é exportada para outros países, proporcionando a segurança alimentar deles e não a nossa.

Se não houver mudanças nas políticas de incentivo ao agronegócio e na legislação relacionada com a proteção do Cerrado, iremos assistir, pela TV, à destruição do bioma. De nada adiantará uma superestrutura de comando e controle, pois haverá pouca coisa ilícita para ser coibida. Dessa forma, é urgente que sejam discutidas mudanças na lei que protege o Cerrado, criando, por exemplo, uma lei específica para o bioma (há projetos de lei no Congresso parados sobre o tema), que preveja o aumento de 20% para 40% na necessidade de reservas legais nas propriedades privadas, diminuição de incentivos em geral ao setor agropecuário que envolva novos desmatamentos, criação de novas unidades de conservação públicas e privadas, demarcação das terras indígenas, reconhecimento de áreas que conservam a natureza, como terras ocupadas por quilombolas e outras comunidades tradicionais, que possuem vida harmônica com o Cerrado.

*Engenheiro florestal, conselheiro do Conama, membro da Funatura, da Rede Cerrado e da Remap 

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