JUSTIÇA

Uma década de Lava-Jato e o marco das grandes operações da PF

A Operação Lava-Jato desencadeou uma série de transformações na consciência pública em relação à corrupção e ao mau uso dos recursos públicos

Passados 10 anos, muito se tem discutido sobre a Lava-Jato, por vezes elencando reviravoltas judiciais em várias ações e acordos e colocando em dúvida a legitimidade da operação. Entretanto, primeiramente, é preciso analisar a Lava-Jato como um todo, sem personificar acusados ou atores da persecução penal. Ao longo de suas 80 fases, a Lava-Jato resultou na abertura de inquéritos em diferentes estados da Federação, com grupos de investigação tanto em primeira instância quanto nas estâncias superiores, contra centenas de pessoas envolvidas em desvios de recursos públicos. Além disso, contou com a colaboração ativa de órgãos como TCU, AGU e CGU, sem falar na vasta cooperação internacional, evidenciando uma mobilização conjunta para combater a corrupção em todas as suas formas, tanto dentro quanto fora das fronteiras do país.

A Operação Lava-Jato desencadeou uma série de transformações na consciência pública em relação à corrupção e ao mau uso dos recursos públicos. Recursos que poderiam ser usados em benefício da população para a aquisição de remédios, merenda escolar, construção de escolas, hospitais etc. e que acabaram sendo desviados. Ela não apenas expôs casos de desvios significativos, mas também influenciou profundamente a percepção dos brasileiros sobre a importância da transparência e da integridade nas esferas governamentais, mudando, inclusive, a própria forma de fazer política no país.

É claro que há muito tempo a PF já atuava no combate à corrupção, mas não se pode deixar de registrar o alcance que a Lava-jato teve em toda uma geração. A própria Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal realizou, em todo o Brasil, simpósios e corridas de apoio ao combate à corrupção, com uma adesão gigantesca, inclusive com participação de muitas crianças. Isso ficará marcado eternamente.

Portanto, a Lava-Jato, assim como toda operação da PF, teve seu papel na história e deixou um grande e positivo legado. Muito se fala em erros da Lava-Jato, mas o fato é que possíveis falhas não podem tirar o mérito dos grandes êxitos que ela teve. Além disso, grande parte das reviravoltas em vários processos ocorreu por aspectos interpretativos processuais e não pela atuação dos delegados ou pela qualidade da investigação. Prova disso é que não houve qualquer denúncia ou apuração nas esferas judiciais contra delegados que participaram da operação.

Assim como em outras operações, os delegados que participaram da Lava-Jato atuaram com consciência jurídica, técnica e imparcialidade. Essa atuação, inclusive, teve o acompanhamento do Ministério Público e o constante controle do Judiciário, em várias instâncias. É imperativo o respeito às decisões judiciais, mas elas não maculam o trabalho feito, especialmente, como já mencionado, quando essas reviravoltas se baseiam em questões interpretativas processuais, muitas delas alterando situações que vinham até então sendo confirmadas nas cortes superiores. Inúmeras condenações e restituições ao erário ainda subsistem até hoje. O próprio STF publicou em 7 de março um relatório sobre a Lava-Jato com o título: Acordos de cooperação no STF resultaram na recuperação de R$ 2 bilhões. Valores que foram para os cofres públicos por meio de pagamento de multas ou restituição de bens e valores.

Sobre os acordos de colaboração premiada, no que se refere à Polícia Federal, é importante chamar a atenção para um ponto de extrema relevância: a nossa doutrina interna sempre foi no sentido de que é necessária a confirmação pela polícia das informações repassadas pelo colaborador (corroboração). A Polícia Federal trabalha, ainda, para complementar tais informações com novos elementos de prova. Em resumo, a colaboração premiada nunca é utilizada como prova em si, pois ela é meio de obtenção de prova. Esse é um preceito básico, e foi assim nas colaborações fechadas pela PF, em qualquer operação, desde sua implantação no ordenamento jurídico brasileiro. É certo também que esse meio de obtenção de prova tem se aprimorado com o tempo, isso é natural, pois é um instituto relativamente novo.

Por todos esses aspectos, após uma década, a Lava-Jato deixou, sim, um legado indiscutível de combate à corrupção e ao desvio de recursos públicos para toda uma geração. Mas, claro, tudo na vida nos leva a um aprendizado. Isso é salutar. E assim também ocorre com a Lava-Jato. Só não podemos nunca retroceder e deixar de combater esse câncer que assola a sociedade, que transcende a história e que independe de ideologia. Por isso não podemos jamais deixar de reconhecer e enaltecer seu valor na história.

*Luciano Leiro, Delegado da Polícia Federal, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF). 

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