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Artigo: O fim de uma academia de sonhos e pesadelos

A data ainda não está confirmada, mas a sentença, sim. A Academia de Tênis de Brasília, luxuoso resort que já hospedou presidentes, magistrados, ministros, políticos e muitos outros de fina estampa, será demolida

José Natal*

A data ainda não está confirmada, mas a sentença, sim. A Academia de Tênis de Brasília, luxuoso resort que já hospedou presidentes, magistrados, ministros, políticos e muitos outros de fina estampa, será demolida. No local surgirá um investimento imobiliário, confirma a Attos Empreendimentos Imobiliários, nova dona do pedaço, que aguarda autorização do GDF.

Aqueles que hoje passam pelo Setor de Clubes Sociais, Esportivos e Similares não têm como evitar passar os olhos pelo cenário macabro que o tempo, o vento e o lixo transformaram o que era uma bela paisagem de luxo e grandeza, numa casa mal-assombrada, que hoje abriga ratos, baratas, saruês e seus parentes. E o que é pior, pode estar sendo também um abrigo para o mosquito da dengue, que tem ali um ambiente ideal para proliferar. A empresa garante que o local está sendo preservado contra os mosquitos.

A Academia de Tênis surgiu de uma ideia do médico e empresário José Farani, que chegou a Brasília em 1960, vindo de Alegre, cidade no sul do Espírito Santo. Em 1970 foi secretário de Saúde do DF. Depois de longa atividade como médico do Senado Federal. Farani gostava de esportes, jogava futebol entre amigos e sócios do Clube Cota Mil, entidade tradicional em Brasília. Também jogava tênis, esporte que praticava com frequência. Era um homem moderno, e com vivência internacional. Em janeiro de 1976, se aliou ao tenista Edison Mandarino e ambos registraram o CNPJ da Mandarino Racquet Camp, entidade que ganhou o nome fantasia de Academia de Tênis de Brasília. Farani e Mandarino, ambos com experiência internacional, imaginaram a construção de um luxuoso hotel, que teria entre outras atrações e opções esportivas para os hóspedes, quadras de tênis como atrativo maior.

Os dois anunciaram a fundação da Academia, com ampla divulgação pela mídia, onde detalharam as inúmeras regalias que hóspedes e futuros moradores passariam a desfrutar. Farani, que morreu em junho de 2008, era um homem de bem e muito querido em Brasília. Mandarino, hoje com 80 anos, mora na Espanha com a família.

As instalações luxuosas e bem equipadas da Academia, logo após inauguradas, receberam pessoas ilustres, autoridades de vários segmentos da vida pública do país. As primeiras negociações para a implantação do Plano Real, medida revolucionária do governo Fernando Henrique Cardoso, começaram nas instalações da Academia. A Academia alojou também por um longo período a ministra Zélia Cardoso de Mello durante a elaboração do Plano Collor, que confiscou bens e rendimentos da caderneta de poupança de milhões de brasileiros. Além de Zélia, vários integrantes do mesmo governo também se hospedaram no local, com as despesas pagas por Paulo César Farias, o PC Farias, personagem ilustre da campanha que elegeu o presidente. Ainda na lista da nobreza política da época constavam Gustavo Franco, presidente do Banco Central e os ex-ministros Celso Lafer, Luis Carlos Bresser Pereira, José Carlos Dias, Raul Jugman e Alcides Tápias.

A história de luxo e riqueza da Academia começou na verdade a partir de 1972. Ocupava uma área física de 62 mil metros quadrados, contava com 162 apartamentos de luxo, três restaurantes de alta categoria, salão de festas para receber até 1.200 pessoas, um ginásio de esportes com capacidade para 3 mil pessoas, um centro de convenções com três auditórios e ainda 21 quadras de tênis, sendo sete de saibro e 14 de terra.

A atividade cultural também ocupou espaço nobre da Academia, com boas salas de cinema, onde geralmente brindava um público seleto com a exibição de filmes premiados. No ano de 2004 a Academia também sediou o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. O ambiente de luxo, riqueza e ostentação colocou o local na condição de celebridade, com um espaço nobre em todas as mídias do país.

É fácil deduzir que um ambiente de tamanha sofisticação teria como seu público-alvo pessoas de alto poder aquisitivo. A convivência com o poder, o dia a dia reunindo personalidades ilustres e autoridades representativas fez com que a Academia se tornasse foco de colunas sociais, ocupasse manchetes de jornais e espaço garantido em programas de TV e redes sociais. Não demorou para que o Ministério Público buscasse na contabilidade da Academia irregularidades e problemas fiscais. Com isso, uma série de denúncias inundaram a entidade, e alguns desses processos ainda hoje perambulam por gabinetes da Justiça do DF. Em 2010 a Academia foi dividida em duas empresas. Uma delas passou a administrar o hotel, e a outra passou a cuidar apenas do clube. As pendengas jurídicas ainda hoje acontecem, e todas as entidades responsáveis pela criação, administração e condução de todo o processo que envolve a entidade, a cada semana aparecem em público, com novas informações sobre o que vai acontecer com o que resta daquele ambiente, e seu patrimônio histórico.

O fato é que independentemente do que será decidido pela Justiça sobre o futuro da Academia, ou do que restou dela, Brasília lamenta a perda de um local onde a sociedade sempre encontrou alegria, conforto e bem-estar cultural. Uma pena que tudo tenha terminado assim. O que para muitos foi um sonho e palco de muitas realizações, para outros acabou emitindo sinais de pesadelo. Segue o jogo.

José Natal - Jornalista

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