Visão do Correio

Pelas Marias da Penha e Bárbaras

A atualização na Lei Maria da Penha prevê a retirada do endereço da vítima do boletim de ocorrência policial, a exigência de um profissional de psicologia em cada delegacia da mulher, o uso de tornozeleira eletrônica para o acusado, despachada juntamente com a medida protetiva, e a criação de um adendo no Código Civil Brasileiro, no que se refere ao ato de exercer denúncia, ajuda ou socorro, de todo cidadão que presenciar uma agressão contra a mulher

Falta pouco para que o abaixo-assinado que pede atualização na Lei Maria da Penha atinja 1 milhão de assinaturas. Até a véspera do Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, o texto acumulava mais de 930 mil adesões. A legislação, de 2006, já é um marco no combate à violência contra a mulher e referência em todo o mundo.

Entre as proposições de atualização, estão a retirada do endereço da vítima do boletim de ocorrência policial, a exigência de um profissional de psicologia em cada delegacia da mulher, o uso de tornozeleira eletrônica para o acusado, despachada juntamente com a medida protetiva, e a criação de um adendo no Código Civil Brasileiro, no que se refere ao ato de exercer denúncia, ajuda ou socorro, de todo cidadão que presenciar uma agressão contra a mulher. Pede também o estabelecimento da obrigatoriedade da construção de uma casa de atendimento da mulher (Casa da Mulher Brasileira) em cada estado da Federação e a criação de um aplicativo de âmbito nacional, com acesso aos diversos órgãos, em diferentes esferas, onde a mulher possa realizar seu cadastro e receber atendimento pós-denúncia na delegacia, fazer acompanhamentos por parte dos agentes públicos e demais informações. Além disso, defende que seja obrigatório o ressarcimento financeiro à mulher vítima por parte do réu agressor, considerando gastos médicos, jurídicos, psicológicos e assistenciais aos filhos.

A iniciativa foi proposta por Bárbara Penna, vítima de tentativa de feminicídio em Porto Alegre em 2013. Ela tinha 20 anos na época em que o ex-namorado, que não aceitou o fim do relacionamento e a independência financeira da ex-parceira, ateou fogo nela e a jogou do terceiro andar do prédio. Bárbara teve 40% do corpo queimado e sofreu diversas fraturas. Ela perdeu os dois filhos — um de 2 anos e sete meses, e, outro de três meses - vítimas da intoxicação pelo incêndio causado pelo agressor. Um vizinho tentou salvá-los, mas também acabou morrendo em decorrência da fumaça.

"Mesmo com esse histórico trágico e com as limitações físicas e psíquicas, me tornei ativista, realizando palestras e atendimentos de mulheres que me procuram pedindo ajuda e orientação, visto eu ter passado pelo ápice de um relacionamento abusivo. Com esse amplo embasamento, tanto nas minhas experiências vividas, quanto em outras histórias que eu já me deparei, é que solicito o atendimento dessa diligência ordinária com urgência", destaca Bárbara no texto do abaixo-assinado. O objetivo dela é de alcançar 1 milhão de adeptos para que a alteração seja encaminhada como um Projeto de Lei de Iniciativa Popular.

A discussão caminha para o desfecho num momento em que o país vive escalada em casos de violência contra a mulher. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou que, em 2023, uma mulher morreu a cada 6 horas vítima de feminicídio no país. Um total de 1.463 mulheres perderam a vida.

Passados 17 anos da criação da Lei Maria da Penha e com avanço das políticas públicas de combate à violência contra a mulher, muitas ainda ignoram a legislação. Pesquisa do DataSenado revela que 75% das brasileiras afirmam conhecer pouco ou nada sobre a legislação. O levantamento ouviu 21,7 mil mulheres com 16 anos ou mais em 2023 e integra uma série que tem o objetivo de ouvir cidadãs brasileiras sobre aspectos relacionados à desigualdade de gênero e agressões contra o público feminino no país.

Menos de um quarto das brasileiras (24%) afirma conhecer muito sobre a Lei Maria da Penha. A análise ainda aponta que 30% das brasileiras já sofreram algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por homem. O coordenador do Instituto DataSenado, Marcos Ruben de Oliveira, observa que o índice pode ser ainda maior, já que nem sempre a situação é percebida pela mulher como violência, gerando uma subnotificação. Segundo ele, o levantamento apontou que 61% das mulheres entrevistadas que sofreram violência não procuraram a delegacia para fazer a denúncia.

É preciso mesmo chamar a atenção para essas questões e amplificar a circulação de informações sobre a Lei Nº 11.340, de 2006, inspirada em Maria da Penha Maia Fernandes. Quando tinha 38 anos, a cearense tornou-se símbolo da luta contra a violência doméstica no Brasil. Ela havia sido vítima de agressões do marido, que tentou matá-la duas vezes: a primeira com um tiro enquanto ela dormia, deixando-a paraplégica, e a segunda ao tentar eletrocutá-la durante o banho.

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