Nós, aqui da Amazônia, temos plena consciência do patrimônio extraordinário que possuímos. Estamos, igualmente, cientes de que precisamos encontrar a fórmula ideal, e eu digo sempre, encontrar na verdade, diante de tantos interesses legítimos, a pedra filosofal que nos permita, ao mesmo tempo proteger os bens naturais da região; desenvolvê-la de modo sustentável; contribuir para a melhoria do meio ambiente em todo o planeta; e, sobretudo, o de garantir, sobre ela, a Amazônia, a soberania brasileira.
Há várias iniciativas e hipóteses a respeito do tema. Uma delas é a dos chamados bens públicos globais. Sinteticamente pode-se dizer que bem público global é aquele cuja utilidade ou interesse público é tão importante para comunidade internacional, que nenhum país pode ou deve possuí-lo ou, ainda, ditar regras exclusivas sobre ele, razão pela qual o seu uso e fruição deve ser regulado e gerenciado coletivamente em favor do planeta.
A construção teórica dos "bens globais coletivos", não temos como negar, é atraente e simpática. Apela para o nosso sentimento de generosidade e de fraternidade universais, mas como amazônida a ela não me posso alinhar, até porque a proposição não leva em conta uma série de outros fatores, como por exemplo: que os bens em discussão pertencem a um país, ao Brasil, a quem cabe decidir sobre a sua utilização, assim como fizeram todos os outros países do mundo em relação ao mesmo patrimônio; deixá-los sob gestão internacional, configura, portanto, supressão, embora disfarçada de tese jurídica, de nossa soberania. A teoria, também, parte do pressuposto de que houve má gestão do nosso patrimônio natural, o que, ao menos no que diz respeito ao Amazonas, não é verdade, justo porque o nosso estado mantém mais de 95% da floresta em pé.
Não há, deste modo, nenhuma razão para que o território brasileiro seja submetido a controle internacional. O Brasil é plenamente capaz, apesar do que apregoa a propaganda interessada em demonstrar o contrário, de gerir com eficiência, inteligência as suas riquezas naturais, garantindo que o seu uso seja ditado de acordo com os interesses preferenciais do nosso país e de seu povo. Não parece justo, sob nenhum aspecto, que sejamos obrigados a dispor da parte mais rica de nosso território, deixando-o intocado, para atender à conveniência das outras nações e condenar o nosso povo à estagnação.
No Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM), ao longo dos anos, vimos cumprindo, em diversas gestões exitosas, a lição de casa. Ao lado de nossas atribuições constitucionais típicas de fiscalização dos bens, dos dinheiros, dos agentes e dos demais recursos públicos, não nos descuidamos de implementar ações pedagógicas e de controle socioambiental. Temos procurado passar aos municípios sob nossa jurisdição um manual de boas práticas, com o devido acompanhamento, cujo objetivo consiste em difundir e, se possível, cristalizar, ainda mais, uma cultura de respeito e de boa convivência com a natureza. A nossa responsabilidade para com a Amazônia, portanto, é não apenas importante, mas também uma missão indissociável de nossa brasilidade. Resultado de todas essas ações responsáveis e capazes foi a outorga ao TCE-AM do Selo Verde de Monitoramento A3P do Ministério do Meio Ambiente do nosso país, que premia as instituições públicas que adotam boas práticas de sustentabilidade.
A solução, a mim parece que foi dada, e de modo insofismável, pelo professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), doutor Samuel Benchimol, hoje de saudosa memória, o qual pregava que a Amazônia só poderia dar certo por meio de uma ocupação humana inteligente que levasse em conta cinco condicionantes: ser economicamente viável; ser ecologicamente adequada; ser socialmente justa; ser politicamente equilibrada; e ser tecnologicamente eficiente.
Muito ainda há o que se discutir. O que não pode é o Brasil e, particularmente o Amazonas, pagarem o custo da degradação ambiental global, que foi e é responsabilidade de todos, mas especialmente dos países ricos, os quais precisam, inclusive, compensar anos e anos de exploração desregrada dos bens naturais sob suas jurisdições.
Claro, a solução passa pelo consenso, pela justiça e pelo respeito aos direitos das nações livres e que mantiveram, como nós, em relação aos outros, a maior parte de seu território preservada. Continuemos a trabalhar pela melhor solução possível.
Salvem nossos larguinhos de forma personalíssima e com a consciência da influência na história do clima e suas interferências no mundo. E rogando perdão a Deus, eu, nós, aqui, nessa Manaus morena, devemos enfrentar os medos e as aberrações da realidade amazônida, com a carcaça medonha dos nossos bodós (Hypostomus plecostomus). Além de tudo e, apesar do romantismo do tema, precisamos parar de acreditar em lua azul e Saci-Pererê. Salvem a nossa floresta, respeitando nossas diferenças!
Mario de Mello
Conselheiro Ouvidor do TCE-AM, vice-presidente de Desenvolvimento Institucional do Instituto Rui Barbosa (IRB)