HELENA MOURA
Professora da Faculdade de Medicina da UnB e membro do grupo de Geopsiquiatria da Associação Mundial de Psiquiatria
Existem diferenças importantes entre os gêneros quando falamos em saúde mental. A depressão, classificada como a principal causa de incapacidade global, é duas vezes mais prevalente em mulheres e nelas sua trajetória costuma ser mais crônica e incapacitante em comparação à vivenciada pelos homens. Os transtornos ansiosos e os alimentares também são mais comuns em mulheres. Além disso, algumas condições são estritamente femininas, como a disforia pré-menstrual, a depressão pós-parto, a psicose puerperal e a depressão na perimenopausa.
Com isso, observa-se a relevância das oscilações hormonais para essas diferenças entre os gêneros. No entanto, a maior vulnerabilidade para problemas de saúde mental não é apenas resultado de fatores biológicos, mas também é moldada por questões sociais e políticas que estão interligadas. Como isso ocorre? As mulheres são mais expostas a diversos fatores de risco sociais para transtornos mentais, como renda menor, desigualdades de gênero, menor controle sobre o meio ou a própria vida e maior exposição a diversos tipos de violência. A violência física, psicológica ou sexual, tema com relevância cada vez maior no cenário mundial, está associada ao estresse agudo e pós-traumático, além de depressão, ansiedade e risco aumentado para suicídio e abuso de álcool. Entretanto, destaca-se a influência de determinantes políticos sobre os fatores sociais. Precisamente, políticas públicas que promovam a igualdade de gênero e combatam a violência contra a mulher têm se mostrado protetoras para a saúde mental feminina.
Nesse sentido, um estudo de 2018 da International Journal of Public Health comparou 28 países europeus e identificou que o risco de violência doméstica é menor naqueles com leis de igualdade de gênero há mais tempo. Porém, inesperadamente, esse risco aumenta em países com políticas de dois provedores (homens e mulheres). Isso sugere que homens podem recorrer à violência quando não possuem alternativas para manter a sua dominação, ou a hegemonia masculina pode ajustar-se facilmente a certas leis caso não alterem a cultura ou outros aspectos que perpetuam as dinâmicas de poder entre os gêneros.
Outro estudo, publicado ano passado pela Psychological and Cognitive Sciences e realizado em parceria com pesquisadores de várias partes do mundo, incluindo o Brasil, identificou diferenças entre os cérebros de homens e mulheres apenas em países onde há maior desigualdade de gênero. Onde há mais igualdade, os cérebros são semelhantes, mas infelizmente o Brasil ficou entre os três países mais desiguais, perdendo apenas para Índia e Turquia.
Mais especificamente, o estudo identificou atrofia em regiões do córtex cerebral relacionadas à regulação emocional, incluindo resiliência à adversidade, e a transtornos mentais em que o estresse é considerado um mecanismo central, como a depressão ou o transtorno de estresse pós-traumático. Tais alterações podem decorrer da reação crônica ao estresse devido a adversidades ambientais contínuas, menor acesso à educação ou a distúrbios muito precoces no desenvolvimento. Esse estudo exemplifica a complexa relação entre o cérebro e o ambiente e os desafios para superar os efeitos da histórica desigualdade de gênero.
Entre as dificuldades para a assistência à saúde mental da mulhe,r temos o estigma e a necessidade de adaptar os serviços para as demandas específicas dessa população. Mulheres são conhecidamente mais cuidadosas com a própria saúde e tendem a procurar atendimento mais que os homens, porém as peculiaridades de um tratamento psiquiátrico podem afastar boa parte delas. Primeiramente, o acompanhamento é de longo prazo e isso pode pesar na sobrecarregada rotina de muitas mulheres.
Em segundo lugar, o medo da perda da guarda dos filhos, especialmente diante de diagnósticos ainda muito estigmatizados, como psicose puerperal ou alcoolismo.
Neste último caso, e considerando a dependência por outras substâncias também, os ambientes de tratamento são essencialmente masculinos. Porém, o uso de substâncias tem efeitos opostos entre os gêneros: enquanto nos homens tende a induzir comportamento violento, nas mulheres aumenta a vulnerabilidade a sofrer agressões. Juntar esses dois grupos em um mesmo ambiente terapêutico pode retraumatizá-las. Portanto, é essencial que o tratamento não interfira significativamente na rotina, no cuidado com os filhos e ofereça segurança à mulher.
Políticas públicas que promovem a igualdade de gênero desempenham um papel significativo em preservar a saúde mental feminina. Dado o inestimável valor que as mulheres agregam à sociedade, seja como provedoras de trabalho, fonte de inspiração ou cuidado, os benefícios se estendem a toda a coletividade.