ENSINO SUPERIOR

Os desafios para manter a saúde mental na universidade

A entrada nos cursos de graduação coincide com o período de início de muitos transtornos mentais.É nesse período também que ocorrem mudanças, por vezes abruptas, de estilo de vida

Levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicado em 2018 mostrou que cerca de um terço dos estudantes experimentam algum problema de saúde mental durante os anos de faculdade. -  (crédito: Beto Monteiro/Secom UnB)
Levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicado em 2018 mostrou que cerca de um terço dos estudantes experimentam algum problema de saúde mental durante os anos de faculdade. - (crédito: Beto Monteiro/Secom UnB)

Helena Moura*

Recentemente, ao navegar pelos perfis de comédia da Universidade de Brasília (UnB) nas redes sociais, deparei-me com uma série temporal de fotos de carteirinhas de estudante que uma aluna acumulou durante o seu curso. Em um dos comentários, uma pessoa exclamava: “Impressionante como o brilho dela foi se apagando ao longo dos anos!”.

Vários outros seguiam a mesma linha. Quem já passou pela universidade deve se identificar com essa evolução do sorriso que vai diminuindo e das olheiras que vão se aprofundando. Mas será que entendemos bem por que isso ocorre?

A entrada nos cursos de graduação coincide com o período de início de muitos transtornos mentais. De fato, um levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicado em 2018 mostrou que cerca de um terço dos estudantes experimentam algum problema de saúde mental durante os anos de faculdade.

Bipolaridade, depressão, ansiedade e esquizofrenia costumam emergir no final da adolescência e início da vida adulta por questões multifatoriais que passam pela nossa biologia, ambiente e comportamentos. É nesse período também que ocorrem mudanças, por vezes abruptas, de estilo de vida.

Alguns alunos saem da casa dos pais e vão morar sozinhos ou com outros colegas tão imaturos quanto, precisam assumir a responsabilidade pelo cuidado pessoal e da casa e lidar com demandas acadêmicas mais complexas que as da escola (isso mesmo, calouro, mais complexas que estudar para o Enem ou o vestibular).

Não bastasse o estresse gerado por essas demandas, os esforços para tentar se adaptar a elas acabam levando à adoção de hábitos de vida pouco saudáveis que prejudicam a saúde mental. Sedentarismo, tempo excessivo de telas, alimentação inadequada, sono insuficiente e uso de substâncias psicoativas são comuns à vida universitária e aumentam o risco de transtornos como depressão e ansiedade.

Inversamente, a adoção de comportamentos saudáveis tem sido cada vez mais reconhecida como fator de proteção e adjuvante no tratamento de diversos transtornos psiquiátricos. Mas, afinal, como se dá essa associação entre estilo de vida e saúde mental?

Durante a prática de exercício físico, ocorre uma série de alterações cerebrais, como a de limpeza de toxinas produzidas pelo estresse e processos ligados à neuroplasticidade, que é a capacidade do cérebro de se reorganizar estrutural e funcionalmente em resposta a experiências, aprendizado, lesões ou mudanças ambientais.

Em outras palavras, fortalece nossa resiliência e capacidade de aprender novas informações ou habilidades. Assim, o tempo investido em exercício físico é tempo investido em aprendizado. E, sim, é mais seguro e efetivo que os “remedinhos” que alguns alunos usam indevidamente para estudar.

A qualidade dos nutrientes ingeridos também impacta sobre os aspectos cognitivos, os níveis de estresse e o humor. Cerca de 35% a 60% das pessoas aumentam a ingestão de confort foods (alimentos ricos em açúcar e gorduras) como forma de “consolo” quando se sentem mais estressadas.

Porém, esse comportamento pode piorar o quadro. Enquanto isso, alimentos in natura, carboidratos integrais e gorduras anti-inflamatórias, como ômega-3, reduzem o risco de depressão, aumentam a energia e o bem-estar e melhoram a cognição, respectivamente.

O sono, tão sacrificado em semanas de provas, é essencial para o aprendizado, humor e concentração. Enquanto isso, passar mais de quatro horas por dia diante de telas aumenta o risco de depressão, sedentarismo e insônia, em especial quando se leva o celular para a cama.

Aqui, cabe ressaltar uma questão importante: a mudança de um hábito tende a gerar mudanças em outros. Assim, a redução do tempo de tela ajuda a reduzir a insônia, o que contribui para melhorar a disposição para o exercício físico, o que, por sua vez, melhora a alimentação, e assim por diante.

Considerando que o estilo de vida é um fator de risco modificável e que o adoecimento mental leva à perda de qualidade de vida e desempenho acadêmico, a adoção de estilo de vida saudável não pode depender apenas de esforços individuais.

Infelizmente, boa parte da população tem pouco acesso a alimentos saudáveis e prática de exercícios físicos. Nesse sentido, a UnB está participando do maior estudo sobre estilo de vida e saúde mental em universitários, o Unilife-M. É calouro e quer participar? Acesse o link no perfil do Instagram @unilife.unb!

Compreendendo melhor as mudanças de comportamento que ocorrem ao longo do curso e como elas se associam à saúde mental, é possível elaborar políticas públicas e institucionais que promovam hábitos saudáveis. Quem sabe assim, os estudantes mantêm seu brilho até o final do curso e saem emocionalmente mais preparados para os desafios da vida pessoal e profissional que os aguardam.

*Professora da Faculdade de Medicina da UnB e membro do grupo de Geopsiquiatria da Associação Mundial de Psiquiatria

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

postado em 30/03/2024 06:00
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação