*Benito Salomão
A divulgação dos dados recentes da economia brasileira aponta para uma razoável melhora no ambiente macroeconômico observada em 2023. O PIB acumulado apresentou um crescimento de 2,9%. A inflação convergiu para o intervalo superior da meta após mais de dois anos acima desse patamar. O fiscal não está solucionado, mas também não apresenta nenhuma piora aguda. No curto prazo, o endividamento público deve crescer, mas não deverá entrar — na ausência de fatos novos — em uma trajetória explosiva.
A observação crua dos dados informa uma melhora no curto prazo. Porém, essa é apenas uma meia melhora. Em uma sociedade democrática conservadora como a brasileira, essa meia melhora econômica pode se traduzir em uma apatia política capaz de impedir voos mais ambiciosos. Aqui, por conservador, resgato o significado filosófico original do termo, cunhado por Edmund Burke (1790), que supôs que as mudanças sociais devessem se dar por um regime de regramentos procedimentais — instituições — estáveis, e que, portanto, tais mudanças são lentas, graduais e obtidas mediante a regras.
Voltemos aos dados mencionados anteriormente: o PIB é melhor do que a média da década anterior, mas insuficiente para uma convergência visando alcançar os países de renda alta. Some-se a isso o fato de que, na análise trimestral, o crescimento do PIB 2023 ficou circunscrito ao primeiro semestre do ano. Ademais, as expectativas futuras sugerem que, sem o bom desempenho do agro, a tendência é a taxa de crescimento se acomodar abaixo do verificado no último biênio.
Quanto à inflação, houve convergência para a meta, e isso está possibilitando a redução, ora em curso, da taxa de juros. Ocorre que o IPCA acumulado em 12 meses findados em fevereiro ainda se encontra em torno de 4,5%, no limite superior da meta. A convergência para o centro — hoje de 3% ao ano — pode se mostrar mais resiliente do que inicialmente muitos previam. Aparentemente, segundo o próprio guidance apresentado pelo Banco Central do Brasil (BCB), a inflação não convergirá para o centro da meta em 2024, sendo mais provável que essa convergência ficará a cargo do futuro presidente.
Sobre isso, ainda pairam incertezas, pois não se sabe se o próximo presidente do BCB terá compromisso com o centro da meta ou lealdade para com o grupo político que o indicará, que tem uma visão bastante particular sobre o regime de metas inflacionárias. Existe uma preocupação manifestada por uma parte dos observadores de que o teto da meta venha a se tornar o alvo implícito para onde o BCB guiaria a política monetária. Se isso acontecer, ceteris paribus daria à autoridade monetária a possibilidade de manter a taxa real de juros por algum tempo no campo expansionista.
Porém, há algumas ressalvas! Primeiramente, esse padrão de política econômica é dinamicamente inconsistente e pode produzir efeitos deletérios no futuro. Isto é, operar a política monetária no fio da navalha irá fatalmente repercutir no processo de ancoragem de expectativas. Ou seja, se os agentes perceberem que o alvo do BCB é o teto da meta em vez do centro, irão ajustar preços e salários baseados nisso, o que levará a um segundo problema: a corrosão da reputação do BCB. A política monetária baseada em regras supõe um jogo entre a autoridade monetária e o público cuja posição dominante é a do Banco Central. Isso é operacionalizado da seguinte maneira: a autoridade monetária (o Conselho Monetário Nacional) divulga uma meta de inflação ao público e dá ao BCB um instrumento de política para cumpri-la.
O público, que também participa do jogo, fixa seus preços e salários supondo duas ações possíveis do BC: cumprir a meta (no centro) ou não a cumprir. Para um jogo sequencial, quanto mais o BCB cumpre a meta, maior a probabilidade de o público fixar seus preços e salários baseados na meta. Isso devido à reputação adquirida. Se, ao contrário, a meta não é cumprida, maior a probabilidade de o público fixar seus preços observando outras variáveis. Esse processo é chamado de desancoragem e pode resultar em um elevado custo para a política monetária. Em suma, um BC pouco crível tem que manter a política monetária no campo contracionista por um longo tempo para restaurar sua reputação.
Voltando à desinflação verificada no último ano, essa foi apenas uma meia melhora e ainda exige esforços do BCB visando fazê-la convergir para o centro da meta. Hoje, o debate público nacional está muito calcado na perspectiva para os movimentos futuros da taxa nominal de juros (Selic). Essa é uma preocupação apenas secundária, o que de fato interessa saber é se a queda em curso será compatível com uma convergência rápida da inflação para o centro da meta ou apenas compatível com a sua manutenção nos arredores do teto da mesma.
Doutor em economia pelo PPGE, da Universidade Federal de Uberlândia*
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