Por Ricardo Campos, docente nas áreas de proteção de dados, regulação de serviços digitais e direito público na audiências públicas e nas comissões no Congresso Nacional e em tribunais superiores para discussão de temas ligados ao direito e à tecnologia.
A UIT, agência das Nações Unidas especializada em tecnologias da informação e da comunicação, publicou o relatório Measuring digital development, que estimou que, em 2022, apenas 66% da população estava on-line, resultando em cerca de 2,7 bilhões de pessoas não conectadas. No contexto brasileiro, a pesquisa TIC Domicílios 2023, realizada pelo Cetic.br, Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, revelou que 84% dos domicílios contavam com acesso à internet. Apesar dos avanços observados nos últimos anos, persistem grandes desigualdades em relação a áreas rurais e remotas e a famílias de baixa renda, se comparadas a áreas urbanas e a famílias de classes mais altas. Ainda, marcadores como raça, gênero e idade têm sido relevantes para se analisar o problema do hiato digital.
Especialmente durante a pandemia de covid-19, a essencialidade da internet banda larga para o exercício de direitos básicos e para o acesso de serviços essenciais tornou ainda mais urgente universalizar a conexão de qualidade. Sobre isso, vale destacar o conceito de conectividade significativa, que está na ordem do dia e tem ganhado cada vez mais espaço nos debates sobre políticas públicas de inclusão digital, constituindo, inclusive, um dos principais temas nas recentes discussões do G20. O conceito visa estabelecer padrões mínimos relativos à cobertura e à qualidade da conectividade, considerando que o acesso, se precário, não garante aos cidadãos uma experiência on-line satisfatória, segura e produtiva.
Esse cenário coloca para os governos e os Estados o desafio de buscar soluções para alcançar as metas de universalização previstas — no caso do Brasil, por exemplo, pelo Plano Estratégico da Anatel 2023-2027 e pelo Plano Plurianual 2020-2023. É fundamental, nesse contexto, voltar o olhar para a infraestrutura que dá base a todo o funcionamento da internet e que, portanto, pode ser entendida como o pré-requisito para se alcançar todas as outras fases da inclusão digital. E é diante disso que tem sido discutido, nos últimos anos, o chamado fair share no setor das telecomunicações, que visa repensar o atual modelo de custos relativos à infraestrutura física que suporta o tráfego da internet. Hoje, tais custos recaem exclusivamente sobre as empresas de telecomunicações e os usuários finais, não incluindo as grandes empresas de tecnologia, responsáveis por mais de 50% do volume de dados da internet e quem de fato extrai uma mais valia significativa dessa infraestrutura na nova economia orientada por dados. Ou seja, a despeito de usufruírem e se beneficiarem de tal infraestrutura, atingindo crescentes lucros ano após ano, não se responsabilizam por seus ônus.
Cada vez mais, têm sido necessários investimentos maciços em expansão, manutenção e atualização das redes, para que essas sejam capazes de acompanhar a transformação digital das sociedades modernas — que contam com aumento crescente no volume dos dados trafegados e, ainda, precisam se preparar para a nova geração de tecnologias como a inteligência artificial, a Internet das Coisas e o cloud computing, com impactos aos mais diversos setores da sociedade, como da saúde, da educação e da indústria, transporte, bem como à prestação de serviços públicos em geral. No caso do Brasil, como visto, tais desafios somam-se, ainda, à necessidade de se garantir a universalização da conectividade de qualidade, garantindo também potencial de inovação para os demais setores da sociedade.
Quando se fala em fair share no contexto brasileiro, é a própria sustentabilidade da internet e sua dimensão social que está em jogo. É fundamental que façamos sérios debates sobre o tema a fim de que a transformação digital no Brasil venha em benefício de todos.
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