O Dia Mundial da Água será comemorado amanhã, mas são poucas as razões para celebrar. Mesmo tendo o maior potencial hídrico do planeta, o Brasil tem perdido oportunidades importantes para preservar esse bem tão precioso e cada vez mais escasso. Desde 2014, o país vem convivendo com períodos de seca extrema em várias regiões, levando a racionamentos em grandes centros urbanos, um tormento, sobretudo, para as populações mais pobres, menos assistidas pelo poder público.
Há razões de sobra para explicar os motivos de tantas pessoas conviverem com a escassez de água. O primeiro, e mais importante, é a falta de gestão. Há deficiências enormes no controle e na distribuição do recurso hídrico. Estima-se que o Brasil desperdice quase 38% da água que deveria chegar às casas da população. Tal perda corresponde a 8 mil piscinas olímpicas por dia. Se economizada, essa quantidade de água seria suficiente para atender 67 milhões de brasileiros em um ano.
Ao mesmo tempo em que joga fora bilhões de litros, o país convive com uma concentração de água na região menos povoada. Quer dizer: 70% de todos os rios e lagos estão na região Amazônica, que abriga 20% da população. Até por razões ambientais, é difícil fazer parte dessa água chegar onde está o grosso dos consumidores, as regiões Sudeste e Nordeste. Essa última tem parte do território composto pelo semiárido, onde a seca é persistente.
Mais assustador é saber que cerca de 30 milhões de pessoas sequer têm água potável encanada. São, principalmente, mulheres e crianças, negras e pardas. É a desigualdade escancarada. Pelo novo marco legal do saneamento, aprovado pelo Congresso em 2020, o país terá de atender 99% da população com esse recurso natural até 2033. Pouca gente acredita que essa meta será alcançada, tal a incapacidade dos setores público e privado de tocarem os investimentos necessários.
Ao descaso, soma-se à falta de educação da população para enfrentar os desafios de preservar os recursos hídricos, ameaçados pelas rápidas mudanças climáticas. É preciso implantar ações imediatas para conter a devastação de nascentes e florestas. Os brasileiros precisam aprender a poupar água, mas não só em períodos de racionamento, como se viu no Distrito Federal e em São Paulo. Cada cidadão do país consome, em média, 148,2 litros de água por dia, quando o recomendável pela Organização das Nações Unidas (ONU) é de, no máximo, 110 litros.
Essa conscientização deve começar muito cedo, nos bancos das escolas, mostrando, por exemplo, a importância do reuso, do reaproveitamento e do acúmulo adequado das águas das chuvas. Há projetos espetaculares país afora que podem servir de referência, como o de um agricultor do Mato Grosso, que decidiu "plantar água". Com recursos próprios, ele construiu mais de 40 açudes no seu terreno. A água acumulada pelas chuvas vai se infiltrando no solo, repondo os aquíferos e fazendo renascer nascentes.
Ou seja, basta ter vontade e compreensão de que todos, sem exceção, devem fazer a sua parte para que, num futuro próximo, a falta de água não seja uma rotina, um tormento. Instrumentos há de sobras, projetos vitoriosos, também. Nas universidades, pesquisadores têm recorrido à tecnologia para ampliar o acesso à água, inclusive, por meio da dessanilização, num país com mais de 7 mil quilômetros de costa marítima. Não há mais desculpas para o desperdício. A hora é agora.
A guerra por água já começou em várias partes do mundo, levando ao êxodo de milhões de pessoas. São movimentos assustadores, que vão se tornar frequentes. O Brasil ainda está em uma situação privilegiada, mas, em pouco tempo, poderá ser obrigado a prestar contas com o fracasso. E a fatura será cara, muito cara.
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