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Artigo: Honestino Guimarães: um líder estudantil silenciado pela ditadura militar

2024 é marcado pelos 60 anos da ditadura militar e pede que reavivemos nossa memória no entorno do jovem Honestino Guimarães

Honestino Guimarães -  (crédito: Kleber Sales/CB)
Honestino Guimarães - (crédito: Kleber Sales/CB)

Este ano será marcado pelos 60 anos da ditadura militar, e o tempo pede que reavivemos nossa memória no entorno do jovem Honestino Guimarães, primeiro colocado no vestibular da UnB em 1965, antes mesmo de completar 18 anos. Um líder nato do movimento estudantil ascendente, rapidamente admirado e respeitado pelos colegas, que, naquele tempo, já defendia melhorias nas escolas públicas, era contra o aumento do preço da passagem de transporte público e acreditava na educação pública de qualidade.

Mas não precisamos lembrar de Honestino somente agora. Quando dirigi a Faculdade de Ciências da Saúde da UnB, entre 2014 e 2018, convidei o artista plástico Tiago Botelho, um dos milhares de filhos formados na casa, para fazer uma homenagem a Honestino Guimarães, ao retratá-lo para compor um painel com 28 personalidades, intitulado: Atreva-se a ser Humano, instalado na sala de defesas da mesma faculdade. Uma homenagem que retratou, à época, homens e mulheres que promoveram
revoluções, cada um em seu tempo. Lá, figuram ao lado do nosso estudante nomes como o de Anísio Teixeira, Chico Mendes, Dandara, Milton Santos, Nelson Mandela, Nísia da Silveira, entre outros humanistas.

Recordo-me que, na ocasião, fizemos consultas a estudantes, colegas docentes, não somente a fim de recebermos sugestões de quem deveria compor nosso mural, mas, em especial, as razões pelas quais os retratos devessem ser criados pelos movimentos dos pincéis de Tiago, iluminando com as suas cores e perfis, rostos que jamais fossem esquecidos pelo nosso público: neste particular, jovens pós-graduandos dos diversos cursos da nossa faculdade. Local de fotos, de poses, mas de reflexões teórico-metodológicas compartilhadas a cada defesa inovadora, criativa e revolucionária no campo das ciências da saúde.

A cada cafezinho de intervalo ou de merecidas comemorações, surgiam histórias que recordavam cada personagem. E quanto ao nosso Honestino, não poderia ser diferente, pois foi em razão de sua atuação no movimento estudantil, que ele passou a ser perseguido pelos órgãos de repressão política. Foi detido quatro vezes e, em 26 de setembro de 1968, foi desligado da universidade como punição por ter liderado a expulsão de um falso professor. Em 16 de dezembro do mesmo ano, seu pai faleceu em um acidente de carro, e ele nem pôde comparecer ao funeral, pois a polícia o esperava no cemitério.

Honestino desapareceu e, apesar dos esforços incansáveis da sua família em busca de respostas, seu corpo nunca foi encontrado. Ele saiu da lista de estudantes da UnB para entrar na lista de desaparecidos da ditadura militar de 1964. E, como ele, existem inúmeros outros cujo desaparecimento continua sem explicação. Recordar Honestino é uma das várias razões pelas quais nunca devemos esquecer os “anos de chumbo”.

Ao lembrar dos tempos de ditadura, mantemos viva a memória de um período sombrio da história do Brasil. Isso é importante para garantir que os erros do passado não se repitam. Não podemos esquecer da supressão dos direitos civis e políticos pela censura e pela repressão. Ao lembrar desses tempos, reforçamos a importância da democracia e dos valores democráticos, como a liberdade de expressão, a igualdade e o respeito aos direitos humanos.

Dizer que Honestino Guimarães esteve e estará sempre presente em nossa UnB é registrar seu exemplo de coragem e determinação na luta pelos direitos estudantis. Ao seu lado, estava Maria José Maninha, e tantos outros defensores da democracia. Aliás, cabe frisar que a ex-deputada e médica pela UnB recebeu de Honestino o nome que hoje incorpora seu registro civil — Maninha, como o amigo-irmão a chamava carinhosamente. Maninha é outra figura que viveu e sobreviveu àqueles tempos e que, até hoje, contribui para que essa história reverbere entre as gerações.

Ao mantermos viva a memória dos tempos de ditadura, contribuímos para o combate à impunidade e para a busca por justiça. Ainda hoje, muitos crimes cometidos durante esse período permanecem impunes. Não podemos esquecer ou ignorar as violações aos direitos humanos que ocorreram. Na lembrança, reforçamos a importância do que representa o papel dos estudantes como agentes de transformação social e nos inspira a continuar lutando por um futuro melhor.

* FÁTIMA SOUSA, Professora associada do Departamento de Saúde Coletiva e ex-diretora da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília

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postado em 18/03/2024 06:00
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