Editorial

Visão do Correio: O triunfo da democracia

As investigações sobre o 8 de janeiro mostram que as ideias derrotadas por Tancredo ainda encontram adeptos

Apesar de todos os problemas, o Brasil tornou-se uma democracia de massas -  (crédito:  Ed Alves/CB/D.A Press)
Apesar de todos os problemas, o Brasil tornou-se uma democracia de massas - (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

Tancredo de Almeida Neves (PMDB-MG) foi escolhido presidente da República pelo Colégio Eleitoral, em 15 de janeiro de 1985, em eleição indireta na qual derrotou o candidato do PDS, o deputado Paulo Maluf (SP). Porém, na véspera de tomar posse, em 14 de março daquele ano, foi internado em estado grave, no Hospital de Base de Brasília, e faleceu sem tomar posse na Presidência.

O vice José Sarney assumiu o cargo e comandou um longo processo de transição do regime militar à democracia, concluído com promulgação da Constituição de 1988 e a realização de eleições diretas para a Presidência em 1988, quando foi eleito Collor de Mello. Luiz Inácio Lula da Silva, que hoje exerce seu terceiro mandato à frente do Executivo, fora o candidato derrotado no segundo turno.

A agonia de Tancredo Neves naqueles dias provocou uma comoção nacional: foram sete cirurgias, duas em Brasília e cinco em São Paulo, até o dia 21 de abril daquele ano, quando faleceu. Seu legado como presidente da República eleito foi essencialmente político: derrotou o projeto de institucionalização de um regime autoritário, de características "iliberais", que manteria a tutela militar sobre a República, por meio de artifícios institucionais que a legitimassem.

Tancredo era um político liberal, egresso do antigo PSD, que fora primeiro-ministro no período parlamentarista do governo de João Goulart, de 1961 a 1962. Hábil, moderado e resiliente, em 1985, conseguiria unir um amplo leque de forças políticas, instituições democráticas e movimentos sociais em torno de sua candidatura, mesmo depois da derrota da campanha das Diretas, Já, liderada pelo presidente do MDB, Ulysses Guimarães.

A chapa de Tancredo e Sarney, a Aliança Democrática, fora formada após a derrota no Congresso, em abril de 1984, da emenda Dante de Oliveira, que previa eleições diretas para presidente da República. O mesmo parlamento que o elegeria logo depois, graças a uma dissidência da Arena, liderada por seu vice e o ex-governador da Bahia Antônio Carlos Magalhães, entre outros líderes conservadores, que formaram o PFL.

Devido à sua história política e por ser um conciliador, Tancredo era aceito pelos militares, sem risco de retrocesso político. Podemos especular sobre os rumos do país caso fosse o presidente da República nessa transição, sem os constrangimentos pelos quais passou Sarney. Provavelmente, teria feito reformas liberais para controlar a inflação e teria mais força para influenciar a Constituinte, mas tudo isso é apenas uma hipótese a posteriori.

Sarney realizou um governo social liberal, que melhorou todos os indicadores sociais do país, mas enfrentou dissabores na economia, apesar das tentativas que fez, entre as quais o ambicioso Plano Cruzado. Tampouco Collor de Mello, que o sucedeu, superou o desafio da inflação indexada. Foi somente com Itamar Franco e o lançamento do Plano Real, em 1994, que o Brasil encontrou o caminho da estabilidade monetária.

Apesar de todos os problemas, o Brasil tornou-se uma democracia de massas. Passadas praticamente quatro décadas daquele ano de 1985, precisa ser hoje permanentemente preservada. As investigações sobre o 8 de janeiro mostram que as ideias derrotadas por Tancredo ainda encontram adeptos, que precisam ser isolados e neutralizados, inclusive nas Forças Armadas, assediadas pelos golpistas.

Como? Por meio da construção de consensos nacionais, respeito às normas constitucionais e fortalecimento das instituições democráticas.

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postado em 16/03/2024 06:00
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