Nos últimos 15 anos, o mundo assistiu muito mais à reversão de democracias em autocracias do que o inverso. Em 2009, havia 44 democracias plenas no mundo; em 2022, caíram para 32. As ditaduras, que eram 22, passaram para 33 — ver Defiance in the Face of Autocratization, University of Gothenburg, 2023. A maioria dos países mantêm democracias fragilizadas e dominadas por governantes populistas. O Brasil está nesse caso.
O populismo tem uma trajetória regular. Como candidatos, os líderes populistas prometem o que não podem entregar. Uma vez eleitos, raramente fazem as reformas que os países precisam. E, para atender os seus eleitores, partem para o assistencialismo, que vai, gradualmente, corroendo as finanças públicas a ponto de jogar os países em novas crises econômicas que despertam nos eleitores, outra vez, a busca por líderes populistas. Com isso, o populismo vai se perpetuando até o surgimento de cisões graves no tecido social.
Vários fatores interferem no voto populista. Um deles está ligado ao mercado de trabalho. Estudos recentes têm mostrado que o desemprego, o subemprego e a informalidade, assim como a queda de remuneração no caso do reemprego. provocam nas pessoas sentimentos de frustração, descontentamento e injustiça que as levam a buscar líderes populistas (Sergei Guriev, Labor market performance and the rise of populism, Bonn: Institute for Labor Economics, 2024).
A descida na escala social, resultante da perda de emprego e redução da remuneração, está ligada à entrada maciça das novas tecnologias no mercado de trabalho. Essas estão substituindo não apenas o trabalho manual e rotineiro, como também o intelectual e criativo da classe média. É o caso, por exemplo, da entrada de um sistema informatizado num grande almoxarifado. O gerente (classe média) que, há anos, comandava as reposições de mercadorias no estoque, é substituído por um algoritmo e perde seu emprego. Alguns conseguem se repaginar, adquirir novas competências e até subir na escala social. Mas a maioria passa a trabalhar em ocupações inseguras de classe mais baixa. Quem nunca pegou um Uber dirigido por um contador ou engenheiro?
Dominadas pelos sentimentos de inconformismo e injustiça, as pessoas se tornam presas fáceis da demagogia dos líderes populistas que sempre prometem restaurar o passado e criar um futuro brilhante. Assim ocorreu com a vitória de Trump em 2016, Boris Johnson em 2017, Bolsonaro em 2018, Lula em 2022 e tantos outros.
As novas tecnologias estão resolvendo grandes problemas e aumentando a qualidade de vida das pessoas nos campos da saúde, educação, entretenimento, etc. Mas elas deslocam as pessoas do seu status social, agravam a desigualdade e criam muito descontentamento. O remédio dos líderes populistas para acalmá-las é o assistencialismo. Em 17 estados brasileiros, há mais pessoas vivendo de Bolsa Família do que da renda do trabalho. O Brasil está se transformando em um país de assistidos.
O populismo domina também os legisladores que passam a votar leis de agrado popular, mas que, no longo prazo, criam incertezas e agravam o quadro do emprego. É o caso, por exemplo, da recente decisão do Congresso Nacional que pretende equalizar os salários entre homens e mulheres por força de lei (Lei 16.411/2023), ignorando e desprezando a complexidade do mundo do trabalho. Isso mais atrapalha do que ajuda a resolver o problema da discriminação. Para bem entender esse fiasco legislativo, leiam Hélio Zylberstajn, Transparência salarial e opacidade legal, São Paulo: Fipe, 2024.
JOSÉ PASTORE
Professor aposentado da Universidade de São Paulo, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP e membro da Academia Paulista de Letras
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