No início do ano passado, a sociedade brasileira pôde conhecer por meio de matérias amplamente divulgadas pela imprensa, a destruição sem precedentes da Amazônia e de seus povos originários, especialmente o Povo Yanomami, causada pelo garimpo ilegal de ouro, cuja ação ganhou uma força descomunal durante o período do governo anterior, que tinha na vice-presidência da República, ocupada por um general do Exército, o controle das ações que objetivam coordenar e integrar os esforços federais pela preservação, proteção, desenvolvimento da Amazônia brasileira, por meio da presidência do Conselho da Amazônia Legal, formado, por vários ministérios, especialmente o da Defesa, representado prioritariamente pelo Exército.
As imagens eram semelhantes a cenários de guerra, com destruição da floresta, poluição de rios, extermínio de populações indígenas, dentre outros impactos, além de contaminar com mercúrio, usado na extração ouro, boa parte do pescado que é consumido, causando sérios problemas de saúde aos habitantes da região. O novo Governo Federal agiu rápido e conseguiu diminuir a destruição da Amazônia. O desmatamento foi reduzido significativamente e grande parte do garimpo ilegal foi desativada. Porém, a Amazônia, nosso maior patrimônio natural e étnico continua ameaçada.
Passado um ano, estamos assistindo novamente ao recrudescimento das atividades garimpeiras ilegais que, na verdade, estão espalhadas por toda a Amazônia e, também, em partes do Cerrado. As Terras Indígenas Yanomamis ainda apresentam focos de garimpos ilegais e muitos indígenas ainda estão sofrendo e até morrendo pela ação nefasta do garimpo ilegal. O número de mortes ainda está em patamares inaceitáveis. Em outra localidade da Amazônia, no estado do Amapá, um estudo publicado recentemente pelo IEPÉ (Instituto de Pesquisa e Formação Indígena) demonstrou que a atividade garimpeira ilegal na região do Lourenço, dentro do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, cresceu mais de 300% no período de um ano. Em Rondônia, no rio Madeira, a situação é caótica. E por aí vai.
Tudo isso para extrair o precioso metal que atende, fundamentalmente, à poderosa indústria de joias, cujos principais consumidores são os extratos mais ricos das sociedades de várias partes do mundo. Ou seja, podemos afirmar que a destruição da Amazônia e seus povos originários é, também, causada por quem consome joias de ouro. Será que um anel, um relógio, ou um colar de ouro pode ser considerado símbolo de status ou é símbolo de destruição da Amazônia?
Fico me perguntando o que estão fazendo as forças que deveriam proteger nossa Amazônia. O Exército Brasileiro, com suas inúmeras bases na Amazônia, está cumprindo de forma adequada o seu papel? Entendo que defender a Amazônia, nosso maior patrimônio, deveria ser função precípua dos responsáveis pela defesa nacional, essa sim, uma missão que pode ser chamada de patriótica. Ou não? Não é possível que, com toda a sua capacidade, essas forças não tenham um plano estratégico que possa acabar definitivamente os atuais garimpos ilegais e estabelecer ações contínuas para inibir qualquer tentativa de estabelecimento de novos garimpos. Não é possível que o Exército, auxiliado por outros atores que trabalham com a proteção do meio ambiente e dos povos indígenas da Amazônia, não consiga fazer isso. Falta recurso, inteligência, estratégia, empenho ou decisão política?
Aqui, faço justiça aos agentes de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que, com pouca estrutura e alguns parceiros estratégicos, podem ser considerados heróis, pois, apesar da fragilidade e das precárias condições de trabalho, conseguem desarticular muitos garimpos ilegais, exploração ilegal de madeira, grilagem de terras, minimizando tanta destruição da natureza. Estes merecem ser fortalecidos e valorizados.
Entendo que o governo federal, em conjunto com os governos estaduais, deve agir com rigor e inteligência, tendo uma força composta por diferentes atores, trabalhando de forma integrada, conforme já está previsto, envolvendo, o Exército, a Aeronáutica, a Marinha, a Polícia Federal, a Força Nacional, agentes de fiscalização do Ibama do ICMBio, técnicos da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), da Sesai, os governos estaduais, dentre outros atores. Recursos não faltam, considerando, inclusive, as doações internacionais. O que parece faltar é decisão política para acabar de uma vez por todas esta ação nefasta do crime organizado, representado pelos garimpos ilegais de ouro. O Brasil tem necessidade e obrigação moral de proteger a Amazônia e seus povos originários em benefício de toda a humanidade, presente e futura.
CESAR VICTOR DO ESPÍRITO SANTO
Engenheiro florestal, conselheiro do Conama, membro da Funatura, da Rede Cerrado e da Remap